A Democracia moderna tem um encontro marcado com o Brasil no dia 23 de outubro, quando os cidadãos decidirão se deve ou não ser proibido o comércio das armas de fogo. Independentemente do resultado do referendo sobre o desarmamento oficial, o Brasil não será mais o mesmo depois da votação popular. E não poderia mesmo, pois o referendum popular foi uma vitória do cidadão contra o “jogo de cartas marcadas” em que vem se transformando o Congresso Nacional.
Aliás, a decisão popular não poderia ter ocorrido em momento mais oportuno para o Brasil, pois as notícias do Congresso Nacional põem definitivamente em discussão o destino da Democracia Representativa, em que o cidadão perde o controle do seu representante político tão-logo empossado. Traz à lume a discussão sobre a exclusão dos cidadãos nas decisões sobre as coisas públicas e que faz mera retórica a promessa de um governo “do povo, para o povo e pelo povo”. Faz-nos lembrar que, quando votamos, não estamos outorgando poderes plenos e irrevogáveis à jogadores gananciosos e membros de um Cassino Nacional, tampouco a mafiosos disfarçados em governantes ou submissos aos interesses escusos de corruptores e corruptos.
Mas, infelizmente, como acreditar na seriedade de um parlamento recheados de Severino Cavalcanti, Bispo Rodrigues, Valdemar Costa Neto, Antônio Carlos Magalhães, Jader Barbalho e José Arruda que, flagrados em delito, já renunciaram aos mandatos ludibriando ou querendo ludibriar a opinião pública? Como dar crédito a uma casa legislativa que permitiu que o Governo FHC comprasse a sua cobiçada emenda de reeleição e que mantém o Governo Lula alimentado por mensalões, mensalinhos e liberações de verbas orçamentárias eleitoreiras? Como aceitar apenas a desmoralizada via da representação, quando a própria Constituição permite que o povo decida o seu destino, através da participação direta, sem intermediários, a exemplo de plebiscitos e leis de iniciativa popular?
Eis porque de fundamental importância para a idéia de uma Democracia Participativa que os cidadãos compareçam em massa ao referendum de outubro. Eis porque não se pode perder esta rara oportunidade de se escolher o modelo de sociedade em que queremos viver. Eis porque temos uma oportunidade única para afirmarmos que não precisamos de cabos-eleitorais previamente contratados, transportes clandestinos ou bocas-de-urna para provarmos que somos cidadãos livres e conscientes.
Com a decisão recaindo sobre o cidadão, a poderosa indústria de armamentos ficou desarmada dos “convincentes” e certeiros tiros de cooptação financeira, não mais podendo metralhar com seus dólares as contas bancárias de vários bandoleiros convertidos em bondosos políticos. Os amantes da paz, com a consulta, terão que batalhar ardorosamente para convencer aos novos eleitores de que a sociedade desarmada não será vítima dos que amam a guerra, ainda mais quando não desarmados os espíritos e a consciência dos não-sociais. Com o referendum a palavra final será do cidadão, conduzido às urnas sem qualquer interesse eleitoral, salvo aquele determinado pela sua compreensão de vida em sociedade.
Neste momento a Democracia brasileira viverá um momento único, um dos poucos em que os cidadãos foram diretamente convocados para decidirem sobre os destinos de suas próprias vidas. Ainda mais quando a vida é o grande tema da decisão popular, qualquer que seja o ângulo da abordagem. A vida, sem maquiagem ou marqueteiros contratados com dinheiro depositado em paraísos fiscais, será a grande vedete da mobilização popular, o objeto e a esperança de cada cidadão votante.
Elegeremos a esperança de um mundo que se prepara para a paz através da guerra ou via gestos efetivamente pacíficos. Elegeremos o direito de matar ou o de não ser morto por uma bala perdida, ainda que disparada em legítima defesa. Elegermos qual o conceito de liberdade para fazermos o nosso mundo melhor, eficiente e mais seguro: a liberdade para comprar uma arma de fogo ou liberdade de ir-e-vir sem ser vitimado por ela.
O único tiro que não poderá falhar, sob pena de assassinarmos a Democracia, é nos ausentarmos da votação, armando de argumentos aqueles que querem ver o cidadão longe do poder decisório. Quando o Brasil tomar gosto pela participação popular, como já fizera naquele movimento em que milhões de cidadãos exigiram mais rigor no combate à corrupção eleitoral, fazendo o Congresso Nacional aprovar a Lei 9.840/99, ninguém segurará o avanço da cidadania. E aí estaremos exigindo novos referendos, leis de iniciativa popular e plebiscitos, a exemplo da quebra do monopólio do petróleo, auditoria da dívida externa, transposição do Velho Chico, dentre outros, fazendo, sempre, vitorioso o SIM para a Democracia Participativa.
Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
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