Um tapinha não dói!?

… e autor do crime também, principalmente, quando tece comentários ou encobre a violência do outro em prol de relações pessoais (familiares e de amizade). Tenho testemunhado em Sergipe uma verdadeira inversão de valores, onde acusados tornam-se inocentes e violentados: réus. Não importa o quão errado o agressor seja, em Sergipe, existe um poder mágico de se fazer inocente quem fere o outro (ainda que com palavras). Será que o tamanho do estado reflete no tamanho do senso moral, ético e crítico das pessoas?

Convivi minha infância entre as mordomias de uma família classe média e os escândalos por parte da violência domestica. Minha mãe foi agredida várias vezes pelo segundo marido (grávida inclusive), então quando se trata de mulher ferida acho que tenho um bom Know-how sobre o tema. Não entendia muito bem, tinha uns dez anos na época, quando algum parente me protegia da vizinhança (e da realidade), muito menos compreendia os sumiços súbitos de minha mãe.

Só por volta dos doze anos é que presenciei de relance, marcas, queixas e tristezas nela, que até hoje não cicatrizaram em mim. Por isso, não sei reagir passivamente, quando sei de algum caso de violência contra mulher. Ainda não existia a Lei Maria da Penha (nº 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006), na verdade era até engraçado notar uma mulher agredida, pois fazia parte da cultura machista vigente. Como me refiro a meados da década de 90, era quase como uma obrigação, numa relação marido-mulher, que as senhoras aguentassem caladas diversos graus de violências, em prol de suas famílias.

Mas refletindo sobre casos atuais, vejo que muito pouco ou nada mudou! O problema é que hoje, a mulher agredida, além de trazer consigo as marcas dos tapas, chutes e tentativas de homicídio, precisa expor também estas marcas físicas e emocionais através das redes sociais, numa tentativa louca de evitar que o agressor saia como um lindo artista pop, com popularidade nível hard. É vergonhoso!

Quando aplaudimos um agressor, nos tornamos tão culpados quanto ele. Claro que em todos os casos existem dois lados, e que é preciso, no mínimo, sondar as versões para não emitir uma opinião errada, porém, é sabido que na preguiça costumeira de nossas cadeiras confortáveis é tão mais fácil julgar tudo levando em consideração a antiga visão de que a mulher mereceu a agressão. Cuidado!

Não sejamos cegos em nossas amizades. Não sejamos cínicos em nossos julgamentos. Vamos entender o que se passa com o agressor e, principalmente, com a vítima. Quem se engana com sorrisos e traquejos sociais pode um dia acabar endossando a fila dos agredidos também.

Se omitir é uma opção (vergonhosa em todos os tipos de agressão), mas denigrir vítimas já violentadas é de uma mediocridade sem precedentes. Avalio que ainda hoje, o discurso cultural da mulher violentada permanece o mesmo (da época de minha mãe). Quantas vezes ouvi que minha mãe tinha merecido apanhar, pois ela não se calava diante das ordens de seu companheiro. Várias vezes.

Vejo que esse discurso de submissão feminino até hoje é tão impregnado, que muitas mulheres reproduzem-no de forma machista como se normal fosse assim. O problema é que estas mesmas mulheres esquecem, que na fisiologia animal são mais delicadas, e que estão contribuindo, indiretamente, para que seus próprios maridos hajam de forma agressiva com as mesmas um dia. Sinto pena de mulheres assim e desprezo por homens que pensam e agem endossando violências.

Como filho de mãe agredida, no auto dos meus 35 anos, concluo que violência, seja ela qual for, precisa ser amparada judicialmente. Que agressores paguem por seus erros, sem endeusamentos ou piedade (muito menos shows beneficentes em prol de suas liberdades). Que agredidos possam colocar suas cabeças em seus travesseiros, com a certeza de que suas vidas estão seguras.

Já aos amadores, plantonistas-da-vida-alheia, que enxerguem as dores de quem verdadeiramente saiu machucado como chagas para suas próprias vidas. É cristão sentir a dor do outro ou pelo menos fomos ensinados a pensar assim.

Penso que aqui, nesta província maquiada de moderna, isto um dia acontecerá lentamente, mas a partir do momento em que eu não me calo faço valer o meu grito de justiça, mesmo que este seja em forma de relato único e pessoal.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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