Uma história dentro da História

A quem interessa saber o que aconteceu no passado, se é no presente que se vive? Quem disse que o pretérito enche a barriga ou anima a caminhada para o futuro? Por que desenterrar o que passou, quando se sabe que não mais voltará o que já se foi definitivamente? Não é perda de tempo estudar os antepassados quando os descendentes exigem a nossa atenção? No tempo da velocidade não pode ser considerado macha-ré estudar ou escrever sobre o que já ficou estacionado na estrada da vida?  História não é uma coisa completamente caduca ou destinada aos estudiosos?

Estas são algumas dúvidas externadas, geralmente em tom de brincadeira,  quando se pretende aprender, discutir ou fazer “história”. Acreditar que o passado já morreu é um engodo terrível. Restringir o estudo da “história” aos “doutos” é um crime imperdoável. Dizer que quem gosta de velharia é museu é, sem dúvida, uma das piadas mais trágicas do Brasil, com conseqüências gravíssimas no presente e no futuro da nação. A “história” é a garantia de sucesso de um povo.

E por que assim brincam, enganam, restringem? Por que na escola a “história” tem a mesma pontuação, interesse e destaque das demais disciplinas, não raro apresentada ao aluno com a mesma deficiência científica? Por que é apresentada de forma monótona e distante? Por que se criam “versões oficiais” de um fato, substituídas por outras “versões oficiais” até que criadas novas “versões oficiais”? 

Assim fazem porque a “história” é inimiga do esquecimento. É ela quem aponta os erros cometidos, revela as traições cometidas, denuncia os crimes praticados e desvenda os mistérios ocultados nos porões da vida. É ela, ainda, quem desmascara as versões oficiais, criadas como anteparo de proteção para a elite que secularmente comanda os destinos do país. É ela, também, quem estimula reações, exige comparações, prega rebeliões e ensina que evoluir é sinônimo de agir. É ela quem, em resumo, constrói o alicerce da humanidade, preparando-a no presente para a conquista do futuro.

Não conhecer a “história” ou se conformar apenas com a sua “versão oficial” é, portanto, impedir o avançar seguro da humanidade. É, também, perpetuar no poder aqueles que enganaram no passado, mentem no presente e escrevem previsões destinadas tão-somente a eternizar privilégios. Despreocupar-se com a “história” é, em síntese, abandonar à própria sorte o nosso próprio destino.

Para que os brasileiros aceitem, passivamente, a opressão da desigualdade,  a história “oficial” ensina que o brasileiro é acomodado e cordato com os poderosos desde o nascer da nação, não adiantando resistir. Propositadamente “esquecem” os mascates, os inconfidentes, os conjurados, os cabanos, os sabinos, os balaios, os alfaiates, os praianos, os quilombolas, os farroupilhas, os sertanejos de Antônio Conselheiro, os tenentistas e milhares de outros que brasileiros que, independentemente dos motivos, transformaram em ação o sonho da resistência. Para que aceitem a corrupção, esta mesma “versão” vaticina ser o brasileiro assumidamente corrupto, desde o nascimento, fazendo-o deslembrar dos grandes movimentos pela ética na política, inclusive com o impeachment do ex-presidente Collor.

Mais ainda, para que acatem o preconceito sem qualquer contestação esta vertente afirma residir no Brasil o “paraíso racial”, “apagando” da memória a escravidão, a ausência de negros nas instituições de ensino e instâncias partidárias. E para que acreditem na desesperança eleitoral, esta “variante” cultua a inexistência de personagens exemplares no cenário nacional, mesmo quando aqui tenha habitado Tiradentes, Zumbi, Mauá, Cacique Serigy, João Mulungu, Tobias Barreto, Rui Barbosa, Fausto Cardoso, Carlos Prestes, Sobral Pinto, Paulo Freire, Helder Câmara, Celso Furtado, Luciano Mendes  e milhares de outros heróis brasileiros, anônimos ou não.

Conhecer a “história” é construir a “história”. Desvendar o passado é compreender o presente. Escrever o presente é antecipar o futuro. Conhecer, desvendar e escrever estarão juntos quando no 03 de outubro, através do voto secreto, os brasileiros serão chamados para construir, compreender e antecipar os seus destinos. Neste dia os brasileiros poderão, sem “versões oficiais”,  escrever a sua “história” dentro da “História”.

  

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