A revista Veja, em sua edição 1940, que circulou a partir de 25 de janeiro de 2006, externou uma correta visão sobre o secular e arcaico mecanismo de escolha de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Afinal, como vem criticando a OAB no passar dos anos, não pode a última palavra sobre a vida de um país ser dada por onze pessoas nomeadas por critérios exclusivamente políticos, ainda mais quando recentemente aprovada a centralizadora súmula vinculante. Não obstante o STF ter agasalhado e testemunhado fantásticos e competentes magistrados em suas sessões, a sorte da Justiça não pode ficar subordinada aos dados ou humores políticos do Presidente da República. O acerto ou desacerto do magistrado é de interesse direto da cidadania.
Exprimiu ainda a Veja, centrada na visão cosmopolita de uma empresa sediada na Grande São Paulo, a sua opinião sobre os ministros recentemente nomeados, especialmente aqueles indicados pelo presidente Lula. Salvo o paulista Cezar Peluso, todos os demais foram apontados com “medíocres”, “fiasco” que não poderia ser repetido pelo atual governo. No que se refere ao ministro Carlos Ayres Britto a “justificativa” estaria no fato de ser considerado “provinciano” no meio jurídico freqüentado pelos jornalistas da revista paulista. Não por gostar das coisas simples, mas, sobretudo, por ter um pensamento pequeno, voltado para as coisas pequenas de sua província.
Como a atuação do ministro Carlos Ayres Britto, por sua independência e coragem, tem sido elogiada em todos os recantos do país, sendo figurinha carimbada e requisitada em vários eventos jurídicos, é fácil descobrir que a “acusação” não guarda relação com a sua função de magistrado. Tampouco com a sua biografia, pois a sua indicação fora previamente apoiada por centenas de entidades e juristas do Brasil, dentre eles o corpo docente da PUC paulista. Sobrou, assim, o “grave pecado” ter nascido na diminuta cidade de Propriá, abrigado pelo igualmente pequeno Estado de Sergipe, localizado no distante Nordeste. O “provinciano” utilizado significa apenas “ser natural da província de Sergipe Del Rei”.
Voluntariamente ou não, estes setores reproduzem esta diferenciação preconceituosa nos meios de comunicação sediados na parte “cosmopolita” do Brasil, confundindo a origem das pessoas com o caráter destas próprias pessoas. Por exemplo, durante a CPI do Judiciário, quando reveladas as mazelas cometidas por magistrados brasileiros, as manchetes eram basicamente assim grafadas: “Corrupção no TRT da Paraíba”, “Corrupção no TRT de Alagoas” e “Comprovada a corrupção de Lalau”. Da mesma forma quando da CPI do Orçamento, assim estampavam estes mesmos jornais: “Corrupção em Pernambuco”, “Corrupção no Governo Paulo Afonso” e “Celso Pitta desvia verbas do orçamento”. Batizaram de “República das Alagoas” o corrupto Governo Collor (carioca de nascença), mas não se diz “República Paulista” o esquema que se apropriou do Governo Lula, embora grande maioria dos políticos envolvidos atue
Espalha-se, o que é igualmente grave, a “conveniente e elitista” idéia de que criminosas são as pessoas que nasceram em determinado lugar, não aquelas que efetivamente cometeram os crimes. Lugar, como parecem dizer, sem chance de salvação. Afinal, se originalmente são pecadoras, criminosas ou indolentes são essas pessoas, por que investir em suas terras, se tudo será desviado? Por que nomear esses alienígenas se são sabidamente broncos e medíocres? Por que gastar com a educação desses nativos, se ficam felizes com um pedaço de pão? Por que serem eleitos, se não são bons eleitores? Por que não vivem em suas províncias, ao invés de usurparem os cargos que nos pertencem por direito?
Pode ser que a República Velha e a sua “Política do Café-com-Leite” tenha ainda alguns defensores ardorosos. Pode ser, ainda que a expressão “Provinciano” seja o termo mais moderno para substituir “Bagageiro da Federação”, utilizada na época para qualificar o Estado brasileiro excluído do carcomido poder central. Pode ser, também, que xenofobia realmente seja uma doença cosmopolita de difícil combate e cura. Podem ser vários os motivos ou as desculpas. O que não pode é este setor elitista e excludente achar que representa o pensamento do cidadão brasileiro.
O brasileiro, independentemente do lugar em que nasceu, é plural e brinda a diversidade. O brasileiro é paulista, capixaba, potiguar, carioca, gaúcho, baiano, panteneiro, goiano, acreano, amazonense e outras denominações utilizadas tão-somente para designar carinhosamente o local escolhido para o nascimento. “Visão provinciana”, no Brasil, somente tem quem olha para o próprio umbigo, ainda que alojado em um grande corpo cosmopolita.