Verão é sinônimo de férias, festivais, sol e muita curtição, especialmente para os nativos e visitantes das cidades praianas e/ou turísticas. Chuvas-de-verão somente são admitidas se significarem namoro passageiro, azaração ou o irreverente ficar da geração dos filhos. Para a tribo do verão os conflitos apenas surgem na hora de escolher a tatuagem de hena mais bonita, a festa mais animada, o trio elétrico mais arretado ou o barzinho mais agitado. Verão é também sinônimo de lucros extras para os trabalhadores, comerciantes e empresas de turismo, pois a chamada indústria sem chaminés faz circular pelas cidades ávidos consumidores da alegria. E se o país que aconchega o verão é tropical a coisa se torna um exagero de colorido, com músicas e festivais pipocando em todos os lados. O verão deveria ser, portanto, a esperada estação do amor, do prazer e da felicidade. Infelizmente há uma grande diferença entre o ser e o querer-ser, pois nem todos os verões são iguais, alguns cismam de somente transmitir desesperança, medo, desolação e dor. Não aquela dor de quem perdera a praia, a paquera, a cerveja ou mesmo a possibilidade de exibir o corpo desnudo e previamente malhado nas suadas horas de academia. A dor queimada nestes tristes verões é mais profunda, quase incurável, não podendo ser recuperada com simples explicações ou paliativos financeiros. O Brasil está sofrendo um destes verões de esperanças destruídas, calamidades públicas e consagração da secular injustiça que adora atingir o sertanejo. Parece até que o sol da esperança resolveu pegar carona em uma das inúmeras viagens do Presidente Lula pelo mundo, não tendo muita pressa em voltar. Talvez pretenda retornar quando encontrar assento vago no novo jatinho presidencial, pois, prevenido, não arriscaria viajar no velho “sucatão” que um dia encantou o céu brasileiro. O verão da desesperança, no clima da política, começou com uma inoportuna e caríssima convocação extraordinária do Congresso Nacional, medida que parecia fazer parte das páginas mais obscuras da história. O Brasil que acreditava já ter superado o medo de conviver eternamente com a privatização dos interesses públicos, percebeu que ainda lhe bronzeia o sol das negociações políticas não explicadas. Aliás, não há mesmo como explicar os gastos com a esdrúxula convocação, mesmo o Brasil somente é rico quando se trata de ausência de recursos públicos para manter vários projetos sociais. A promessa de desenvolvimento sofreu forte impacto com os juros que não caíram, abalando a confiança de que neste ano as coisas seriam diferentes. O desemprego continuou subindo, o tráfico de influência postulando vagas e fiscais brutalmente assassinados por exigirem trabalho digno para todos. Tudo sem falar no escândalo da Parmalat, que nos transformou em uma das pontas da corrupção internacional, de especialista em exportação de sadios-homens-deportados passamos a importar contaminados-homens-leiteiros. O verão brasileiro também teve abalado a seu charme mais precioso, pois o sol resolveu tirar férias, deixando em seu lugar chuvas torrenciais, inundações, desespero e dor. Até mesmo o sertanejo, que chorou de alegria ao sentir os primeiros pingos d’água, logo descobriu que a chuva que caia diante do seu olhar apenas tinha como finalidade destruir a sua esperança, fazendo com que lamentasse por estar com saudade da seca. As enchentes, as pontes caídas, as cidades isoladas e as mortes prematuras são as maiores marcas deste doloroso verão. O único consolo é saber que a vida também costuma renascer quando dela menos se espera, inclusive nos lugares mais imprevisíveis e inóspitos. As chuvas, assim como as lavas destrutivas de um vulcão, depois que cessadas, farão renascer a esperança momentaneamente perdida. É o mínimo que espera da chuva que inunda o Brasil, com o seu poder milagroso de irrigar a terra removida, gerar as escassas fontes de energia e fazer procriar os peixes já quase extintos. A natureza, mesmo quando visivelmente injusta, costuma recompensar a sua vítima. Os próprios sertanejos sabem muito bem o que significa a água readquirida, até porque durante algum tempo não precisará do carro pipa que alimenta a covarde indústria da exploração política. Os homens e os políticos bem que poderiam aprender com a natureza, compensando imediatamente a esperança que nos fora retirada nestes primeiros dias de verão. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br