Viana de Assis; um guerreiro de muitas lutas.

Visitei meu amigo Viana de Assis no Hospital Primavera, onde se recupera de complicações físicas acontecidas recentemente. A moléstia o retém no leito para a recuperação das forças exauridas nas caminhadas seguidas e nas lutas jamais rejeitadas.

 

Os fortes e os gigantes também são feridos e fragilizados, momentos em que o leito é restaurador, estágio de reflexão e tomada de decisão para a assunção de novas lutas, permanecer na caminhada e servir de exemplo para a sua circundância.

 

“O homem é o homem e sua circunstância”, fustiga Dom Ortega e Gasset, dizendo para si e nós outros: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim.” E foi esta circunstância que fez de Viana, um jovem de compleição física miúda, agigantar-se em inteligência e brilho, destacando-se pelo espírito criativo, pela eficiência enquanto líder e realizador, e, sobretudo, pela grande coragem cívica assumida em tempos intolerantes.

 

Hoje, nestes tempos de revanchismos envergonhados, quando são tantos os heróis diante de feitos tão ralos, muitos poderão exibir diplomas e legendas, permitidos somente porque os aplausos de moucos são a guarida da irracionalidade e a complacência dos roucos prefere sorrir, gozar, fazer chacota da alma pátria subtraída por quantos anões e tantos senões.

 

Não é o caso de Viana em cujo pálio muitos poderão se abrigar na sua sombra e no seu exemplo.

 

A paisagem circundante de Viana.

 

Nascido em setembro de 1934, o menino Antônio Fernandes teve sua infância no regime autoritário de Getúlio Vargas, conhecido como Estado Novo, momento de firmes esperanças desenvolvimentistas ao lado de conquistas sociais, tempo em que são sufocados os movimentos libertários e há um cerceamento da livre expressão. Depois viriam os torpedeamentos dos navios na nossa costa, tempo em que o menino via a efervescência do nacionalismo ofendido e a conseqüente inserção do Brasil no front italiano, a volta dos nossos pracinhas e a redemocratização do país com o surgimento da chamada República Populista.

 

É nesta fase populista que o menino se torna o homem, assumindo um nome que se faria legenda nas lutas assumidas e nas escolhas realizadas. Eis então Viana de Assis presente nos movimentos estudantis, assumindo posições modernas e progressistas, sendo sensível às teses que visavam à melhoria social, em sensibilidade aos mais desprovidos de esperança.

 

Neste tempo, é sintomática a lembrança do escritor Ariosvaldo Figueiredo às páginas 42 do 4º volume de sua momentosa História Política de Sergipe, referindo-se a uma manifestação estudantil ocorrida em 1955, que repelida em violência, recebera a justificativa atribuída ao então Secretário de Segurança Pública: “imunidade de estudante é cadeia”.

 

Eram tempos de violência com estudantes espancados rotineiramente, em pleno estado de direito e sob a vigência de uma das constituições brasileiras mais liberais das acontecidas na vida da nação. Constituição que de tão frágil e permissiva suscitou pouco respeito, à esquerda e à direita, sendo finalmente esmigalhada pelo movimento militar de 1964.

 

Constituição que permitiu a Viana de Assis sair da política estudantil na Faculdade de Direito e enveredar na luta partidária, elegendo-se Deputado Estadual em 1958 pelo Partido Republicano, uma agremiação de ideologia centro conservadora.

 

É na tribuna da Assembléia Legislativa que Viana encontra o seu púlpito e seu destaque, constituindo a princípio a bancada de oposição ao governo Luiz Garcia, liderada pelos seus colegas deputados Cabral Machado e Pedro Barreto do Partido Social Democrático (PSD), e posteriormente reeleito como líder do governo Seixas Dória.

 

A cassação

 

Enquanto Viana de Assis era Deputado Estadual vigia no país franca agitação política. Havia uma polarização ideológica fruto da discussão mundial do pós-guerra, em sequência da guerra fria. Setores agressivos insuflavam os movimentos sindicais, ensejando a rebeldia e suscitando o eterno medo das aventuras totalitárias. Ao lado disso, a instabilidade das instituições e a insensatez dos homens conduziram o país a golpes e contragolpes assacando contra a Constituição indefesa.

 

Há a renúncia louca do Presidente Jânio Quadros. Há a difícil posse do Vice João Goulart com a imposição de um regime parlamentar mal alinhavado e capenga. Há a derrubada deste regime mediante plebiscito. Há uma série de provocações e más avaliações de tribunos inflamados a assustar o grande e o pequeno empresariado, com a perspectiva de um golpe republicano anarcossindical.

 

E assim o esquema militar, de uma quartelada nascida em Minas Gerais tomou o país sem desferir um tiro. “Les révolutions aux Bresil sont égaux à les mariages en France; sans sang!”, célebre piada de Carlos Lacerda dita na França: ‘as revoluções no Brasil são como os casamentos na França; sem sangue!’

 

Mas a revolução assumiu suas inimizades. Em Sergipe, o inimigo maior fora o Governador Seixas Dória, cassado sem crime pela Assembléia Legislativa em tenebrosa secessão de ralos heróis, em excesso de esperteza e em excedência de pusilanimidade. Por 23 votos a favor, 8 contra e 1 ausente, os Deputados retiram em 4 de abril de 1964 o mandato legítimo de Seixas Dória, contra o discurso dos Deputados Cleto Maia, Nivaldo Santos e Viana de Assis, parlamentares que seriam cassados em 14 de maio de 1964, aos quais se juntou Baltasar Santos, todos apeados do mandato em outra noite sombria daquele parlamento acovardado.

 

Ouço ainda reverberar nos meus ouvidos adolescentes o vibrante discurso de Viana de Assis naquela noite de agachamentos. São paginas de coragem e de exaltação da esperança na concórdia dos homens em liberdade e democracia, dignas de um Danton e de uma Madame Rolland, sem temer a lâmina exterminadora, igual à espada erguida sobre a pátria ameaçada. Discurso que infelizmente se perdeu, embora fosse transmitido via rádio e jamais esquecido pelos ouvintes. Discurso que convenientemente foi apagado, para que restassem esquecidos também as arengas dos algozes e de seus esbirros, afinal num julgamento político nunca vige a ética, nem o é norteado na justiça e na imparcialidade dos homens.

 

Viana não é esquecido.

 

Mas Viana de Assis não foi esquecido. A sociedade sergipana, que o vira subir a colina do quartel e ali ser humilhado não o esqueceria. O seu escritório de advogado foi visitado e contratado para todas as lides. Logo cedo, lhe seria dado à honra de ser o primeiro presidente do Rotary Club Aracaju Norte, o segundo clube rotário em terras sergipanas.

 

Depois procurou diversificar negócios. Constituiu sociedade em atividades de plantio e se tornou empresário de hotelaria.

 

No Rotary Aracaju Norte, Viana se constituiu líder maior e inspiradora referência. Atingiu a Governadoria do Distrito 455, momento em que reuniu, em feito jamais repetido, centenas de rotarianos de Sergipe, Bahia e Alagoas.

 

Relembro, enquanto rotariano, esta sua Conferência Distrital em terras soteropolitanas com o lema “Descubra um novo mundo de serviços”, destacando-se pela excelência da participação, a ilustrada plêiade de conferencistas, e a superioridade dos debates e proposições, com Josafá Marinho, Vítor Gradim, Dom Avelar Brandão Vilela e tantos outros palestrantes, com Viana de Assis, um sergipano liderando na Bahia.

 

Viana, Comodoro do Iate e Prefeito de Aracaju.

 

À parte sua participação rotária, Viana de Assis também se elegeu Comodoro do Iate Clube de Aracaju revitalizando o clube da Paria Formosa com uma programação festiva e cultural que valorizava o sócio convidado para seu deleite.

 

Depois foi várias vezes Secretário de Estado sendo companheiro de chapa como Vice-Prefeito no memorável pleito que elegeu Jackson Barreto, Prefeito de Aracaju.

 

Foi Prefeito da capital, após a cassação política de Jackson Barreto tendo mostrado eficiência administrativa em exíguos meses, destacando pelo embelezamento do Calçadão da 13 de Julho, logradouro batizado popularmente como “Calçadão de Viana”.

 

Sergipano cassado…, eis cassado para sempre.

 

Diferentemente dos demais estados brasileiros, Sergipe foi padrasto como os seus filhos cassados pelo Golpe Militar de 1964. Os cassados da primeira hora como Seixas Dória e Viana de Assis não tiveram a mesma sorte de Miguel Arraes, Leonel Brizola, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, Jânio Quadros e tantos outros que ressurgiram das cinzas da política, reerguidos pelo voto popular.

 

Aqui a terra foi árida com os seus filhos ceifados em broto. Não houve novo vicejar da planta pisada pela bota marcial.

 

Houve uma tentativa de Seixas e Viana, mas o povo lhes negou o Senado da República, retirando-lhes o púlpito nacional. Coisas de Sergipe; um fato a pesquisar.

 

Viana, um exemplo que permanece.

 

Mas se a tribuna pública lhe foi negada, ao cidadão não faltam ações enquanto líder de classe, porta voz de grupos e entidades da sociedade civil; o Rotary, por exemplo, fazendo escola na discussão séria dos problemas profissionais e comunitários, sendo agente multiplicador em somação às entidades estatais e privadas.

 

Uma vida de muita dedicação às causas abraçadas, sempre ao lado da sua Iara Delpoz, nascida paulista, mas que aqui chegou como técnica em educação do Movimento de Educação de Base, encantando-lhe o ser e permanecendo ao seu lado nos momentos difíceis e alegres que a vida lhes destinou.

 

O gigante fragilizado.

 

Como dito no início, de porte miúdo e com uma fisionomia destinada ao despercebimento no cenário das relações cotidianas, Viana de Assis alongou-se em todas as dimensões, fazendo-se bem maior e mais forte pela sua coragem cívica e ausência de temor frente aos ataques que a vida lhe impôs.

 

Fez-se gigante, disse eu, em sabendo que os homens têm cotas exíguas; alguém a quem devemos curvar a cabeça em reverência à sua história e seu exemplo de vida. Um grande companheiro, uma excelente companhia, que se diga também, em memória dos saudosos roteiros que juntos percorremos por estradas daqui e do exterior.

 

Três governadores rotários em Buenos Aires numa noite de lazer no Señor Tango: Odilon e Tereza Machado, Sônia e Teobaldo Carvalho, e Viana e Iara de Assis.

Saudades que se manifestam sobremodo, porque o grande homem se encontra agora bastante fragilizado, preso ao leito em recuperação lenta e continuada.

 

Ao seu lado sua Iara querida, suas filhas Patrícia, Lenora e Fernanda e os netos Carol, João Pedro e Eduarda se renovam nos cuidados e carinhos.

 

Na minha visita, apertei-lhe a mão. Respondeu-me com a mesma firmeza e o mesmo sorriso do sempre amigo e bem querido.

 

Que se recupere! É o que pedimos em preces e desejos.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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