VISÕES E OLHARES HUMANOS

Embora sejam milhões os acontecimentos que explodem diariamente na sociedade, desde a irracionalidade do conflito Israel-Palestina até a inaceitável dor provocada pela prematura perda de um ente querido, não é fácil a escolha do tema a ser abordado em um artigo semanal. Talvez tal fenômeno seja provocado pelo fato de não ser o articulista detentor do necessário talento para a escrita, talvez seja em função do cansaço decorrente da própria absorção de tantas notícias ou mesmo pela ausência de tempo em função do exercício de outras atividades. O que realmente sei é que, quase sempre, não sei o que escrever ou dizer, somente sendo escolhido o tema final no último limite do tempo concedido para que se torne possível a sua publicação.

Nesta semana dois assuntos ficaram habitando as minhas diárias reflexões, tornando-se, em conseqüência, fortes candidatos a se transformarem no texto que seria publicado nesta coluna. A eleição do tema, como já expliquei, seria decidida no exato momento em estivesse diante do meu computador, sigilosa urna em que deposito os meus devaneios e ousadias intelectuais. A acirrada disputa, criada, dirigida e decidida por este único eleitor, estava entre as duas acertadas visões que se tornaram destaques durante a semana, embora oriundas de políticos com matrizes ideológicas divergentes.

A primeira visão, escolhida pela sua repercussão estadual, se referia à campanha iniciada pelo Governador João Alves Filho, especificamente no que se refere aos prejuízos que atingirão o Estado de Sergipe se integralmente aprovada a contraditória cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços). E a primeira contradição começa quando se observa que a busca do equilíbrio regional, prevista na Constituição Federal, não fora corretamente observada pela proposta de Reforma Tributária. É que, embora necessária a Reforma e a unificação das alíquotas dos tributos, acabando com a nefasta guerra fiscal que transfere recursos públicos para poucos privilegiados da iniciativa privada, a repartição do bolo arrecado apenas alimentará quem já tem comida de sobra, isto é, os Estados mais ricos do Brasil.

A proposta, que tanto agrada estes Estados, afirma que o ICMS deve ser cobrado no local de origem, ou seja, naquele Estado que produz a mercadoria ou os serviços. Como a ausência de uma séria política de planejamento estratégico faz de Sergipe um Estado ajoritariamente importador de serviços e mercadorias, não é preciso ser adivinho para saber quem perderá com a proposta de mudança da reforma tributária na parte referente ao ICMS. E o que é mais grave, sendo a segunda e absurda contradição, nos únicos pontos em que Sergipe é mais forte (petróleo e energia), convertendo-se em exportador, a proposta não seria a mesma, pois neste caso o ICMS seria cobrado no destino da mercadoria, talvez porque achem que o “nosso destino é ser pobre mais limpinho”.

A outra visão era oriunda da avançada atitude do prefeito Marcelo Déda, quando decidiu realizar o inédito I Congresso da Cidade, com o objetivo de congregar, unir todos os cidadãos aracajuanos em torno de sua cidade. É o que bem resumiu a Secretária de Planejamento, Lúcia Fálcon, quando ressaltou que “pela primeira vez a cidade está unida, lutando pela construção de um futuro melhor”. Com certeza Aracaju não será mais a mesma depois do seu I Congresso, pois finalmente compreenderá que é uma cidade em que todos podem opinar e escolher o destino, que não será necessariamente o de “ser pobre ainda que limpinho”.

Como se vê, era uma peleja de difícil decisão, pois ambas representam visões importantes para os cidadãos que escolherem Sergipe para viver, crescer, reproduzir e amar. Diante de tais dificuldades, a eleição somente foi decidida quando me dirigia para a urna eletrônica instalada na minha sala, ainda naquela fase em que a propaganda eleitoral é permitida. E o argumento decisivo fora provocado pelo som de uma animada quadrilha junina que ensaiava, no espaço da Sociedade Semear dedicado a eventos públicos, para a festa que iria realizar no dia 19, às quinze horas, no Colégio Atheneu.

Ao me aproximar do local, percebi que se tratava de um grupo de organizado pelo CAP – Centro de Apoio Pedagógico aos Deficientes Visuais, tendo como integrantes os portadores de deficiências visuais que ali eram assistidos ou estudavam. A animação e a simetria dos passos eram tão graciosos que enchiam de felicidade e alegria os olhos daqueles que tiveram a sorte de ali estar, dançando ou apenas invejosamente assistindo. Enquanto eu me debatia sobre as visões dos dois políticos sergipanos, os que não faziam o uso do olhar físico me mostrava que todos os obstáculos são removíveis quando o objetivo principal é sincero e de interesse coletivo.

E o exemplo desses guerreiros que integram a quadrilha coerentemente denominada como “Pé no Chão”, me fez mais uma vez compreender que o mundo nunca mudará sem a coragem da solidariedade. Assim como eles estavam fazendo, os dois políticos sergipanos perceberam que em vários momentos suas visões também podem estar unidas no mesmo olhar político, independentemente da direção de suas pernas. O importante é compreender que ninguém deve se arvorar na condição de único dono deste olhar, mesmo porque todos necessitam da cumplicidade de outros olhares para que a cobiçada paquera se transforme em uma eterna conquista.

(*) Cezar Brito é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear.
cezarbritto@infonet.com.br

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