Maria Thetis Nunes
A paixão sempre foi o elo que uniu Maria Thetis Nunes ao magistério. O auxílio aos colegas de classe na escola primária já apontava o talento da menina que sempre desejou ser professora. Enfrentando as dificuldades típicas de uma garota humilde vinda do interior, conseguiu tornar-se a primeira mulher sergipana a ingressar em uma faculdade – a Faculdade de Filosofia da Bahia, no curso de História. O curso era o pontapé inicial de uma relação de 49 anos com as salas de aula e de uma extrema representatividade intelectual não só na sociedade sergipana, mas também a nível nacional.
O preconceito existente na década de 30 em relação à alfabetização de mulheres foi suprido pelo incentivo que recebia da família para se empenhar nos estudos, inclusive do pai. “Naquela época, educação era algo mais acessível a homens. Os pais temiam alfabetizar suas filhas, o que graças a Deus não aconteceu comigo. Claro que tive mais incentivo de minha mãe, mas meu pai sempre me apoiou fortemente a ser uma mulher educada”, declarou Maria, 85 anos, em uma conversa com a equipe do Portal Infonet em seu apartamento na capital sergipana.
Arte de ensinar
O despertar para a arte do ensino apareceu ainda na escola primária, mas foi na secundária que a jovem Maria Thetis percebeu que poderia ser mais que uma simples professora. Começou a se interessar por história, influenciada pelo poeta e intelectual sergipano Artur Fortes, seu professor, que lhe despertou o interesse pela disciplina. “Ele era fantástico”, define. Ao concluir os estudos do ensino regular, reuniu as economias que fez trabalhando como bibliotecária e professora de ensino infantil e foi estudar História na Faculdade de Filosofia da Bahia. “Eu fui a primeira mulher sergipana a entrar na faculdade”, orgulha-se. Mas esse fato foi apenas o primeiro de muitos outros que exemplificam o pioneirismo dessa educadora.
Já com o diploma de historiadora na mão, deixou a vida no pensionato em Salvador para trás e retornou à terra natal. Conseguiu o título de primeira professora catedrática do Colégio Atheneu, através de uma tese que deu origem ao primeiro dos mais de 20 livros publicados por Maria, “A influência dos árabes no mundo ocidental”. Escrevendo seu segundo livro, “O ensino secundário e sociedade brasileira”, passou a se interessar especificamente pela
história de Sergipe. “Percebi que os registros aqui no Estado eram muito escassos, um acervo até então pobre. Foi aí que tive a feliz oportunidade de poder ir a Portugal pesquisar história sergipana. Foi uma maravilha vasculhar os arquivos, coletar depoimentos e dar minha humilde contribuição para a história de Sergipe”, conta. Para o historiador e jornalista Luiz Antonio Barreto, humilde é a própria Maria. “A história sergipana deve muito a Maria Thetis Nunes”, afirma.
Ao retornar de Portugal, o resultado de suas pesquisas levou à produção de quatro obras: ‘Sergipe Colonial’ I e II e ‘Sergipe Provincial’ I e II. “Ainda quero lançar um livro chamado ‘Sergipe Republicano’”, planeja. Neste período também foi professora fundadora da Faculdade Católica de Filosofia em Aracaju. Tanta iniciativa e destaque intelectual pelo seu amplo conhecimento em história e cultura brasileira lhe renderam um convite do Ministério das Relações Exteriores, em 1960, para dirigir o Centro de Estudos de Buenos Aires, cargo que ocupou entre 1961 e 1965, ano em retornou ao Brasil devido o Golpe de 1964.
Retornou a Aracaju e ao Colégio Atheneu. Seu trabalho no magistério ainda duraria mais 28 anos, só viria a encerrar a carreira nas salas de aula em 1993. Mas um novo título ainda a aguardava na capital sergipana. “Em 1983 recebi o convite para a Academia [Sergipana de Letras]. Foi inusitado, nunca esperei nem tinha vontade. Mas um fato em especial praticamente me obrigou a aceitar: a cadeira de número 39, antes ocupada pelo meu grande e saudoso amigo Orlando Dantas”, revela a imortal.
Paixões Professora e uma de suas paixões: rio Sergipe
Fundadora de faculdades, professora de renome, diretora de colégios e conselhos, inúmeras viagens. O cotidiano profissional e intelectual intenso não abriu uma brecha para um marido. “Que fique bem claro que nunca fui casada, mas tive alguns namorados”, ressalta aos risos. O motivo da eterna vida de solteira talvez tenha estado na sua postura, de acordo com a própria Maria. “Sou de um tempo que a mulher tinha obrigação de ser submissa. Os homens temiam as intelectuais, temiam serem ofuscados e terem a autoridade ameaçada”, justifica. Feminista? “Nem um pouco! Feministas odiavam homens, ao contrário de mim que os adorava”, responde.
Atualmente vive sozinha em um amplo apartamento na zona sul de Aracaju, decorado com quadros assinados por artistas sergipanos, como João Inácio, o qual aponta como seu predileto. Pelo dia admira suas obras de arte, à noite contempla o luar refletido nas águas do rio Sergipe. “Não tem dinheiro que pague o espetáculo que tenho todas as noites na minha janela”, disse. Suas atividades de lazer compreendem reunião com amigos na Academia Sergipana de Letras e visitas ao Instituto Histórico. Apesar de apaixonada pela capital de Sergipe, revela ser também uma grande amante da cidade maravilhosa. “Adoro ir ao Rio de Janeiro, vou frequentemente, mais de duas vezes ao ano. Revejo amigos, e vou às livrarias de lá, que são sublimes”.
Os sobrinhos que vivem próximo à sua residência são companhias constantes nas suas viagens. Já fez uma viagem de volta ao mundo, foi à maioria dos Estados brasileiros e visitou Paris 14 vezes. “É a minha vida semi-nômade. Outro motivo que afugentou um provável marido”, diverte-se.
Aos 85 anos, Maria Thetis ainda pretende lançar um novo trabalho bibliográfico, provisoriamente intitulado ‘Caminhos da Vida’. “Quero reunir todas as minhas
publicações, inclusive minhas contribuições para jornais de Sergipe, desde a Gazeta [de Sergipe] até o atual Jornal da Cidade”, declara. O contato com os jovens é que entusiasma a historiadora a não parar. “Até hoje eu palestro em seminários, encontros… O contato com os jovens me revigora, me faz sentir jovem novamente”, argumenta.
Por ter sido uma mulher pioneira em vários segmentos, principalmente relacionados à educação, Thetis diz se orgulhar da contemporânea atuação da mulher na sociedade. “Hoje nós temos mulheres de destaque não só na educação e cultura, mas em áreas até então exclusivamente masculinas, como na Justiça. E mesmo estando em uma idade avançada quero continuar participando dessa vitória diária do sexo feminino”, concluiu a nossa homenageada.
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