Nasci. Nasci como nascem todas as pontes, primeiro o alicerce, depois o conjunto. A mão escrava do trabalhador me ergueu como quem ergue um monumento, fui o lenço do operário em construção, um sarrafo, dois sarrafos, três sarrafos. Foi me desenhando sob a mão cuidadosa do engenheiro e sob os olhares curiosos do povo. Sobre mim ecoou o primeiro grito de liberdade, quando em 1860 um papagaio voou, historicamente cortando a linha do horizonte no céu sergipano, repetindo exaustivamente a frase: – Viva a liberdade! Sobre mim passaram homens importantes como D. Pedro II, Francisco José Alves, Fellisbelo Freire, Martinho Garcez, Fausto Cardoso, Pereira Lobo, Gracho Cardoso, Washington Luís, Augusto Maynard, entre outros. O barco que trazia D. Pedro II e sua Corte Imperial ancorou em mim e me revelou como um cartomante: – Tu serás crônico! Nunca chorei, pois nunca me deixaram só. A ausência mata o amor. Sou o abrigo para os excluídos, o itinerário para os viajantes, o pórtico templo a céu aberto para os devotos do Bom Jesus dos Navegantes. Sou cenário idílico. Mas de todos estes sou apenas um insigne símbolo que consegue ecoar de forma igualitária. Nunca pensei chegar à Barra dos Coqueiros, mas fui o elo entre a província e o império, fui ao Rio de Janeiro sem saber e voltei dando graças a Deus por estar no ventre da minha terra, e por não ter esquecido em momento algum a mão do criador. Cresci em Aracaju, e apesar de nunca ter deixado de ser ponte tive cinco nomes. Vi Aracaju mudando a cada nova primavera, sem deixar o aspecto plano sempre característico da sua paisagem. Todos os dias, antes do sol nascer no horizonte, a aurora vem me contar seus segredos para limpar seu coração, sempre aberto, com lágrimas de alegria. E hoje, perdido em pensamentos, esqueço as pequenas coisas mortificantes. Lembrando apenas os momentos felizes, os olhares cúmplices, as vontades mútuas, as palavras recíprocas e, como um poeta, consigo ouvir as estrelas de Olavo Bilac. Contei esta história a uma estrela morta, que caída sobre as águas do Rio Sergipe, submergia sentindo um indefinível remando pela dor da despedida. Mesmo morta e ofusca ela continuava brilhando no fundo da noite, como um sinal do céu. No final, comentei, como para encerrar a história: – Aqui sobre as águas do Rio Sergipe eu vivi as melhores lembranças da minha vida. – Ali, naquele céu estrelado, eu fui obrigado a dizer a pequena palavra: adeus. Ela melancolicamente suspirou. – A pequena palavra que se alonga como um poema lírico contado por navegantes. Autor: Cardeal / Luiz Ozeti Carvalho Neto 7º colocado no 2º Concurso de Crônicas sobre a cidade de Aracaju
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