O Home dos Caçuá

Havana, Cuba, março de 2000, a Sala Che Guevara, da Casa das Américas, a principal casa de shows da capital da paradisíaca ilha do Caribe, estava lotada. No palco, um homem alto, vestido com uma estranha indumentária, cantava, dançava e tirava sons de curiosos objetos. Quando terminou a apresentação, ouviram-se as primeiras palmas, depois outras e mais outras. E logo estava sendo aplaudido de pé, durante vários minutos. O homem alto era o cantor, compositor, flautista, violonista e percursionista de efeitos José Sergival da Silva, um sergipano, de Nossa Senhora da Glória, com o seu antológico show As Coisa dos Caçuá. Há 17 anos na estrada musical, “o home dos caçuá” prepara o seu primeiro CD e abre o verbo em uma sensacional entrevista. Sergipe Cultural – Sergival, vamos começar pelos grandes momentos que você viveu em Cuba. Como foi isso? Sergival – Extremamente gratificante. Eu estava representando Sergipe, em um evento que contava com a participação de artistas das Américas e de alguns países europeus. Só por isso, dá para sentir a enorme responsabilidade que eu tinha. Mas confiava no meu trabalho, estruturado a partir de pesquisas da cultura popular nordestina e do folclore sergipano. Também já contava com uma vasta experiência, decorrente de apresentações em Aracaju, São Paulo, Salvador e Brasília. Lá, apresentei o show na União Nacional dos Escritores e Artistas de Cuba, no Grande Teatro de Havana, onde recebi menção honrosa, e no principal palco de shows, a Casa das Américas, uma espécie de Canecão. Sergipe Cultural – Quando voltará a se apresentar em Cuba? Sergival – Mesmo recebendo convites, no momento não posso determinar datas, devido ao meu trabalho e ao projeto musical que estou desenvolvendo. Sergipe Cultural – Qual é o projeto? Sergival – O projeto atual é a gravação do meu primeiro CD. Estou na carreira solo há três anos e fiz uma projeção para gravá-lo em cinco anos. Porém, graças a Deus, as coisas aconteceram de uma forma que me surpreendeu, e percebi que esse prazo fora superestimado. O repertório, todo de minha autoria, já está pronto, o mesmo acontecendo com a parte gráfica. Agora vou partir para a captação de recursos financeiros, através de leis de incentivo cultural ou patrocinadores diretos. Sergipe Cultural – Recentemente, um grupo de artistas criou a Assaim – Associação Sergipana de Autores e Intérpretes Musicais, com o objetivo de alavancar a música sergipana.Como você vê o atual momento musical do Estado? Sergival – Várias tentativas já foram feitas, para fortalecer a música sergipana, mas por diversos motivos não lograram êxito, a exemplo da Cooperativa de Música, na década de 80. A Assaim representa outra oportunidade, porque acredito muito no coletivo, apesar de existir a tendência do trabalho individual, tipo cada um por si. E Sergipe está passando por um momento de ebulição musical muito grande. Alguns artistas já têm o trabalho divulgado em outros Estados, contam com dois ou três CDs no currículo, o que representa um grande avanço, porque, há 10 anos, quem tinha um disco, tinha muito, devido às dificuldades de gravação. Hoje tenho em casa mais de 60 títulos de artistas da terra. Sergipe Cultural – Isso significa que está havendo uma profissionalização dos artistas? Sergival – Em alguns aspectos, sim, mas a coisa é ainda complicada. A maioria não vive só de música, tem normalmente outra ocupação, que garante o lado financeiro, mas prejudica o artístico, porque você não pode programar, por exemplo, uma agenda de apresentações, principalmente fora do Estado. E é fundamental que isso aconteça, porque a arte não é geográfica; é universal. Ela precisa atingir um público cada vez maior. Sergipe Cultural – Há alguns anos, os artistas sergipanos, a exemplo de os alagoanos, paraibanos etc, achavam que o caminho seria o eixo Rio-São Paulo -muitos tentaram e retornaram -, do mesmo modo que o público só dava valor aos de fora, principalmente do sul do país. Você acha que hoje é possível abrir um mercado local forte, potencial, com o apoio do público, da mídia e dos organizadores e patrocinadores de eventos? Sergival – Claro. Isso vem ocorrendo, lentamente, mas vem, devido à mobilização dos artistas. Sergipe Cultural – A participação do Martinho da Vila no show da virada de ano, na orla, organizado pela Prefeitura de Aracaju, não demonstra o contrário? Por que não ser bairrista e promover eventos unicamente com artistas sergipanos? Sergival – Por se tratar do primeiro ano da administração petista, a expectativa era de uma maior participação de sergipanos. Isso porque os artistas sempre apoiaram a ideologia dos movimentos sociais populares do PT. Mas quero deixar claro que não tenho nada contra a contratação de artistas de fora, porque são nomes consagrados e até podem trazer experiências para os da terra. Ocorre que, de Sergipe, se apresentaram apenas uma banda de frevo e o Lelo Almeida, quando se poderia fazer um grande evento, com, por exemplo, 10 ou 15 atrações, mesclando forró, rock, chorinho, bandas de carnaval etc. Sergipe Cultural – Podemos dizer então que a Prefeitura perdeu uma boa oportunidade de promover a música sergipana? Sergival – Claro. Sem excluir os artistas de outros Estados, a participação dos sergipanos foi inferior ao que se esperava. Mas temos tido contato com os membros da administração municipal e buscado discutir novas oportunidades e apresentado propostas. Este foi um fato isolado e que não invalida os grandes avanços anteriores, como o ForróCaju 2001, o Fórum de forró, e muitos outros eventos onde o artista sergipano teve vez. Sergipe Cultural – Por falar nisso, quais as expectativas de participação dos artistas sergipanos na inauguração do Teatro Tobias Barreto? Sergival – Espero que haja uma significativa participação dos sergipanos. Se o artista não participa de grandes eventos, será sempre pequeno, e este será um grande evento. E fica um ciclo vicioso: não é contratado para megas eventos porque não é conhecido do grande público, e não é conhecido porque não participa dos megas eventos. Isso provoca situações negativas como, por exemplo, desconhecer determinados recursos de palco, porque não tem a oportunidade de vivenciá-los. Sergipe Cultural – Fala-se muito na falta de uma política cultural sistemática, por parte dos Governos Federal, Estadual e Municipal. Mas quando o artista consegue, por exemplo, gravar um CD, ele nada faz, ou faz muito pouco, para divulgá-lo. O processo se resume basicamente às costumeiras notinhas nos jornais. Por que ele – exceções sempre existem – não arregaça a camisa e cai no mundo para mostrar o seu trabalho? Sergival – Olhe, além de ainda não existir uma política cultural definida, o artista, com as devidas exceções, é claro, não atenta para pontos importantes. Posso citar o cuidado na produção e na divulgação. O público que paga não aceita descuidos amadores, envolvendo figurinos, iluminação, direção, qualidade musical e por aí vai. E isso fica muito pior na parte de divulgação. No mundo atual, o marketing é fundamental em qualquer atividade, mas boa parte dos artistas quase sempre não liga para isso, porque acham que o seu trabalho é somente compor, cantar e tocar. Gravado o CD, faz um lançamento, coloca em alguns pontos de venda e fica em casa esperando o resultado. A prova disso é que tem muitos trabalhos bons por aí, mas que são praticamente desconhecidos, porque o artista não conhece, ou não acha importante, técnicas de divulgação. Ele não entende que, para ser conhecido, tem que ralar, informar ao público o que está fazendo. Sergipe Cultural – As rádios ajudam? Sergival – Ajudam sim, mas ainda não é o suficiente. Aqui, duas ou três FM´s tocam o artista sergipano. Por incrível que pareça, as AM´s tocam muito mais, e até têm programas dedicados a artistas locais. Por isso, a Assaim pretende promover reuniões com o pessoal das rádios, para conscientizá-los da necessidade de uma maior divulgação. Mas, mesmo que todas as rádios tocassem, o artista precisa ter um pouco mais de disposição e ralar pelo seu trabalho. Sergipe Cultural – Então o próprio artista não ajuda? Sergival – Ao longo dos anos, o que mais ouvi foi que o artista é só artista. Você pergunta por que ele não vai para as ruas, os bares, as praças, as feiras, os mercados, divulgar o seu trabalho e ele responde que sabe compor, fazer poesia, cantar, tocar, mas não é de vender, divulgar, cobrar e por aí vai. E isso é um erro fatal. Se não sabe divulgar, não quer, tem vergonha, se não sabe produzir um show profissional, se não sabe fazer o layout de um encarte, contrate quem sabe. De nada adianta, a não ser para satisfazer o ego, fazer um trabalho bom, não atingir o alvo, que é o público, e deixar o seu produto em casa. Sergipe Cultural – Como o artista Sergival começou a carreira? Sergival – Tudo começou em março de 1984, quando fui co-fundador e músico da Band´Auê, um grupo regional que marcou história em Sergipe, participando de vários eventos, a exemplo de o Festival de São Cristóvão e o Projeto Pixinguinha. Depois veio a dupla Sena & Sergival, que representou o Estado em festivais nacionais. Sergipe Cultural – Por que decidiu começar uma carreira solo? Sergival – Eu queria fazer um trabalho voltado para, como já falei, a pesquisa da cultura popular e da musicalidade folclórica de Sergipe e do Nordeste, e era impossível conciliar as duas coisas, além de ter um trabalho fixo na Petrobras. Também queria me dedicar mais à fotografia e à poesia. Sergipe Cultural – O que fez nessas áreas? Sergival – Participei de várias exposições e lancei o livro Sementear, de poesias e contos, que me possibilitou ingressar no MAC da Academia Sergipana de Letras. Sergipe Cultural – Fale sobre As Coisa dos Caçuá. Sergival – É uma homenagem ao matuto, ao homem do sertão. É assim que ele fala, sem atentar para o plural, sem preocupação com gramática, até mesmo por desconhecê-la. E caçuá é um utensílio, podemos dizer assim, muito usado pelo nordestino, para transportar alimentos, produtos agrícolas, coisas para vender na feira etc. É como se fosse o porta-malas de um carro. Sergipe Cultural – No seu show você usa dois caçuás, e fica tirando coisas e mais coisas de dentro. Como teve essa idéia? Sergival – Quando criança, fui muito carregado em caçuás. E se o nordestino coloca neles tudo que o cerca, eu poderia, como artista, também usá-los para criar um efeito real e para guardar instrumentos que fabrico, além dos tradicionais. E durante o show vou tirando, além deles, a cultura nordestina, representada pelos contos, causos, trejeitos, figurino, folclore etc. Sergipe Cultural – Nesses 17 anos de carreira, qual foi o melhor momento do artista Sergival? Sergival – As apresentações em várias capitais do Brasil e em Cuba foram marcantes. Mas o melhor momento foi quando participei da noite principal do ForróCaju2001, dividindo o palco com Genival Lacerda, Alceu Valença e Fala Mansa. É indescritível a sensação de mostrar o seu trabalho e ser aplaudido por mais de cem mil pessoas.

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