Quando eu nasci, ela já estava lá. Parada, pernas dentro do rio, sem se importar com os olhares que passavam, nem com o barulho das navegações urbanas. Olhar fixado, eternamente, nas cores do mar. Eu me sentia atraída pelo seu passado. Nos dias de tédio, gostava de ficar junto a ela, para brincar com todas as minhas fantasias de menina; olhar as águas do rio, para aprender a namorar, e tocar, nos meus instrumentos da alma, todas as melodias da vida. Quando anoitecia, ela me mostrava a lua bonita, a travessura do brilho das estrelas, o colarzinho de luzes da ilha da santa, e me dizia que os amores mais quentes são feitos em noites douradas. A brisa soprava, rindo das nossas conversas, e nos envolvia com beijos intermináveis. Fui me enfeitando de corpo e as suas confidências se fizeram mais íntimas. Um dia, me disse que tinha sido linda e cheirosa e a sua primeira vez foi para homenagear um monarca, neto do além-mar, cabelos grisalhos, e barba perfumada. Dai então, foi chamada a do Imperador. O nome lhe serviu por algum tempo: recebeu homens da história, fascinados por flores de areias quentes; homens do mar, ávidos de amor e de terra firme. Era a estrela de todas as festas, de todas as danças, de todos os beijos. Depois foi esquecida como uma flor murcha, que já exala maus odores. Acabou nos braços de todos os marginais. Ficou feia, sem viço, sem luzes, sem perfume. Um dia, tive que ir embora. Na nossa despedida ela não chorou, sabia que eu voltaria pelo mar e a procuraria. Ela se sentia meu porto. Hoje, reencontrei-a velhinha e só lembrada pelos que têm alma de artista. Uns escrevem livros sobre sua vida; outros resolvem enfeitá-la para valorizar a sua história. Ela é assim: forte como as coisas que unem passado e presente, terras distantes e amores desunidos. É como uma ponte que fala e nos ensina que pontes também sonham… Autora: Anaïs Anaïs / Denise Gaujac 5ª colocada no 2º Concurso de Crônicas sobre a cidade de Aracaju