“Índia: mistérios e luzes” – por Nilton Pedro da Silva*

A Índia, aos olhos do Ocidente, tem-se revelado uma nação misteriosa, enigmática e surpreendentemente reveladora e atraente. Em meio a um vendaval de misérias e contrastes, apresenta-se, ao mesmo tempo, pujante e altaneira.

A evidência histórica milenar da tradição indiana de lidar com a diversidade – étnica, religiosa e lingüística – tem contribuído para o aperfeiçoamento de suas instituições democráticas, permitindo classificá-la como o país de maior crescimento entre as economias abertas do mundo atual.

O século 21 é o século das economias asiáticas. Nesta perspectiva , a Índia tem procurado superar seus traumas e dramas históricos, impostos por séculos de domínio estrangeiro e por sua própria condição cultural, com uma postura pro-ativa e empreendedora diante dos desafios da economia mundial, onde as mudanças de paradigmas propostos pela Terceira Revolução Científica e Tecnológica têm desafiado a capacidade de adaptação das economias nacionais, através do enfrentamento dos complexos problemas a ela subjacentes.

A Índia optou por basear  seu crescimento no setor de serviços, principalmente apoiando  empreendimentos da área de Tecnologia da Informação, que ostenta, como atividades predominantemente urbanas, o mais intenso brilho da sua economia. Enquanto isso, o campo, que abriga mais de 70% da população total, contribui apenas com 22% para a formação do PIB indiano. Por isto, se diz e observa que a Índia é brilhante nas zonas urbanas e escura nas zonas rurais.

Segundo país de língua inglesa do mundo, com uma população de 1,1 bilhão de habitantes, 44% dos quais com idade inferior a 25 anos, a economia indiana credita seu atual sucesso, principalmente, à disponibilidade de mão-de-obra especializada, oferecendo como exemplo a formação anual de mais de 300 mil engenheiros e cerca de 75 mil técnicos em Tecnologia da Informação. No entanto, há jovens graduados com salários que alcançam dez mil dólares mensais, ao lado de outros muito mal remunerados que vivem em áreas subnormais (favelas) das grandes cidades.

Há apenas quinze anos (1991) começou o processo de liberalização da economia indiana, gerando grandes controvérsias, notadamente no que diz respeito ao elevado crescimento do desemprego e à depredação dos escassos recursos hídricos do país. Consenso de Washington, liberalização, globalização e privatização são temas recorrentes nos grandes debates entre economistas e outros profissionais, que reconhecem a grande contribuição das idéias de Amartia Sen para a implementação de políticas sociais no país, levando o governo adotar recentemente o lema do “desenvolvimento com face humana” para programas como o de “garantia de emprego rural” e o de “crédito agrícola”, para fazer face aos estragos da liberalização econômica. Entretanto, tais medidas não têm sido suficientes para contrabalançar os efeitos danosos da abertura da economia. Para se ter uma idéia dos desafios a enfrentar, a economia informal passou de 4%, em 1980, para 40% do PIB, em 1996.

Apesar de o governo gastar 10 vezes mais no campo do que em outras áreas, as disparidades entre o campo e a cidade são muito grandes, em razão, principalmente, dos altos investimentos externos realizados nas áreas urbanas.

As exportações de softwares da Índia proporcionam uma receita de mais de 17 bilhões de dólares que, somados às remessas de 24 bilhões de dólares de indianos residentes no exterior, com mais cerca de 7 bilhões de dólares previstos de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) conferem à economia indiana um excepcional aporte de recursos para o seu desenvolvimento, que está respaldado no seu imenso mercado interno e na disponibilidade de recursos humanos especializados.

Assim, a despeito de todos os problemas enfrentados pela sociedade indiana, como o da sua matriz energética – importa mais de 70% do petróleo que consome – , a baixa poupança interna (cerca de 23% do PIB), confrontada com a China que poupa 40% do PIB, dos freqüentes atentados terroristas, da grande disparidade entre o mundo urbano e  o mundo rural,  de destinar 20% do orçamento público com a defesa, o  país que diz possuir um sistema de planejamento dos mais interativos, que formula sua política econômica através de uma Comissão de Planejamento, com cerca de 220 profissionais e 700 prestadores de serviço, presidida pelo próprio primeiro-ministro, segundo seu Plano Nacional de Desenvolvimento, objetiva alcançar um crescimento do PIB entre e 7% e 8% ao ano, durante 25 anos e, assim, ultrapassar o PIB da Itália (2020), da França (2025), da Alemanha (2030) e do Japão (2033).

Desta forma, a Índia vai-se revelando `curiosidade do mundo e transformando o que era um sonho de mil e uma noites em palpável realidade socioeconômica, sem revelar totalmente seus insondáveis mistérios e magias.

Esta é a Índia que vi e senti.

 

* Doutor em economia e advogado, participou da V Missão de Economistas Brasileiros ao Exterior, que visitou a Índia entre os dias 13 e 22 de abril recém-passado.

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