80 anos de um quase desconhecido

No próximo ano, se vivo fosse, Nélson de Araújo faria 80 anos. Jornalista, tradutor, editor, teatrólogo, ensaísta, cronista, romancista, folclorista, incansável pesquisador da cultura popular e professor da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, ele nasceu em Capela, em 4 de setembro de 1926, e na década de 40 mudou-se para Salvador, onde morreu, há mais de 12 anos, sem conhecer a fama de mestre da ficção, como o chamou Jorge Amado num comentário sobre o livro 1951, A Santa Inquisição na Bahia e outras estórias, lançado pela Editora Nova Fronteira em 1991.

Avesso ao marketing, Nélson Correia de Araújo trilhou o caminho oposto ao que é percorrido pelos fabricadores de best-sellers: foi festejado pela crítica, mas não atingiu o grande público. Isso também contribuiu para o desconhecimento que os conterrâneos têm da sua obra. Mas não só isso. Homem de sete fôlegos na produção literária, ele era uma vítima do provincianismo. Foi embora de Aracaju para fugir do espírito atrasado daqui — coisa que sergipano não perdoa — e acabou sendo obrigado a submeter sua variada produção literária às modestas edições baianas, que só não eram mais pobres do que as publicações de Sergipe.

Na Bahia, logo mostrou o gosto pela literatura. Apaixonado pelo Recôncavo Baiano, ali publicou de tudo, inclusive textos de ficção, como as novelas O Império do Divino visto pelos olhos de Pisa-Mansinho; Vida, paixão e morte republicana de Don Ramón Fernández y Fernández e Aventuras de um caçador de arcas em terras, mas e sonho, reunidas em 1987 pela Editora Ianamá, sob o título de Três novelas do povo baiano, posteriormente também lançado pela Nova Fronteira.

 

TRÍADE DE GRANDES AUTORES BAIANOS – Na novela 1951, A Santa Inquisição na Bahia e outras estórias, Nélson de Araújo conta como foi a temporada, em Salvador, de “um emissário da Santa Sé, investido numa missão tão importante, qual a de escoimar a metade do mapa-múndi de pecados, heresias e crimes judaicos”. Em Aventuras de um caçador de arcas em terra, mar e sonho, ele faz uma literatura alegórica que mistura o realismo episódico com o realismo mágico. O Império do Divino… é uma novela contaminada pelo fato folclórico, que exprime “a maneira de ser mais profunda de um povo”, como dizia o escritor, sintetizando uma de suas paixões. Já em Vida paixão e morte…, bela história dos galegos espanhóis na Bahia, predomina a linguagem erudita.

Por essa versatilidade de dar a cada narrativa um tom apropriado, adequando forma e conteúdo, pelo seu vocabulário rico e balizado por pesquisas e observações pessoais, Nélson de Araújo foi saudado pela editora carioca como um dos membros da “tríade dos grandes autores baianos de ficção no momento”, junto com Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro. Só que ele era sergipano e nunca negou suas origens, como bem lembra Jorge Amado, que não se arriscava classificá-lo de romancista baiano. Outra diferença em relação aos dois baianos está na quantidade de leitores que consomem seus livros. Nélson de Araújo, conforme costumava dizer, era o autor “menos vendido do Brasil”.

GLAUBER ROCHA E A COMPANHIA DAS ÍNDIAS – Nélson de Araújo julgava que o drama era secundário na sua experiência literária. Ainda assim produziu pelo menos um texto que lhe agradava, A Companhia das Índias, cuja primeira publicação, em 1959, pela editora Progresso, foi visto “com olhos de excessiva generosidade pelo meu bom amigo Glauber Rocha”, segundo observava. O texto inspirou o cineasta, que deixou documento escrito sobre isso e a confirmação em “Terra em Transe”.

Nélson também adaptou e traduziu grande número de textos para o teatro. Dentre as traduções, gostava de Macbeth, de Shakespeare. Quatro de suas melhores criações foram reunidas num opúsculo editado pela Empresa Gráfica da Bahia, em 1990: além de A Companhia das Índias, o ato único Joana Angélica, a adaptação de um conto dele próprio Um homem maduro para a morte e a história de A guerra de Magali em São Jorge dos Ilhéus, fundamentada num fato real ocorrido em 1907, quando nove homens, em uniformes do exército norte-americano, tentaram ocupar, mão armada, a cidade de Ilhéus.

DRAMA E FICÇÃO: UMA SÓ ESSÊNCIA – Pequenos Mundos, dividida em três tomos e lançada pela Editora da UFBA, é obra de referência definitiva sobre manifestações dramáticas da cultura popular, especificamente na Bahia, e aponta o divórcio entre o moderno teatro do Brasil e as suas raízes populares. Mas a obra de maior fôlego e paciência de Nélson de Araújo é a rigorosa História do Teatro (1ª edição: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978; 2ª edição: Empresa Gráfica da Bahia, 1980), bibliografia básica em todas as universidades brasileiras.

Embora preferisse a ficção, Nélson de Araújo considerava romance/novela/conto e drama uma só coisa. “A essência é a mesma. Todos são subgêneros de um gênero maior, que é a arte de elaborar o episódio. Noutros termos: a arte de fazer bonequinhos andar na mente humana, seja através do desenho nos livros, no caso do romance, novela ou conto, seja através do desenho ao vivo de atores sobre o palco, no caso do teatro”, como gostava de definir.

Por Marcos Cardoso

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