Educação no campo deve ser contextualizada: diz coordenador da Unicef

Coordenador do Unicef para Sergipe e Bahia
O coordenador do escritório da Unicef para Sergipe e Bahia, Ruy Pavan, está em Aracaju para participar de um seminário Sobre a “educação no semi-árido sergipano”. O coordenador recebeu a equipe do Portal Infonet para uma entrevista na qual aborda a educação realizada no campo, as condições de funcionamento dela, além das melhores maneiras de levar conhecimento aos que moram na zona rural. Para ele, o verdadeiro ensino deve ser feito em parceria com o Estado: “não existe educação de qualidade sem políticas públicas”, afirma.

Portal Infonet- Quais são os principais pilares para fazer uma educação no campo de qualidade?

Ruy Pavan- O primeiro passo é uma educação contextualizada, que seja a cara do lugar onde está sendo desenvolvida. Isso é fundamental para que as crianças façam uma relação do local onde elas vivem e da sua vida com a sala de aula. Precisamos reproduzir a realidade tentando destacar pontos importantes e interessantes que existem na vida cotidiana dessas pessoas, contextualizando o processo pedagógico. Também é necessário levar em conta as questões estruturais, um bom quadro de professores e a necessidade de ter uma escola com o mínimo de dignidade, que deve estar localizada próximo à residência, pois deslocar as crianças é uma alternativa, mas ela precisa ser encarada como uma solução provisória. De qualquer forma, é necessário que o processo pedagógico da escola seja construído em parceria com a sociedade.

Infonet- Quais os principais desafios para que essa educação se torne uma realidade?

RP- Fazer a rede pública municipal apoiada pela rede pública estadual chegar ao campo. A educação precisa ser no campo, mas ter um processo de construção pedagógica dele, respeitando a sua realidade. Esses são os grandes desafios. Os piores indicadores estão no semi-árido. Isso faz com que as pessoas percam a auto-estima e se desloquem para a cidade.

Infonet-O que a educação no campo tem de diferencial em relação à zona urbana?

RP- O que ela tem de diferente é a necessidade de ser contextualizada. Dessa forma é possível respeitar o local onde a pessoa vive, levando em conta a qualidade. É necessário entender que só porque é do campo não pode ser oferecida de qualquer forma. O princípio que deve gerar todo esse processo é a qualidade. É fundamental valorizar o espaço de vivência. Há um massacre sobre as crianças de que ela vive em um local feio, seco. Mesmo que isso seja verdade, cada local possui o seu conhecimento, que precisa ser valorizado.

Infonet- Qual a metodologia mais indicada para a educação nessas escolas?

RP- A metodologia ideal é aquela adequada a quem a recebe. Não se pode simplesmente transferir a metodologia de sucesso de uma capital ou de um outro centro e para a realidade de uma região do semi-árido, por melhor que ela seja. Na realidade, existem várias metodologias indicadas. Paulo Freire sem dúvida é uma referência, pois leva em conta ideais da educação libertadora, contextualizada, que valoriza as diferenças, as questões étnicas e culturais. O que não podemos ter é metodologia para pobres e para ricos. Temos que partir do princípio de que todos têm o mesmo direito e precisam ter as mesmas oportunidades.

Infonet- Qual é a situação da educação feita no campo no Estado de Sergipe?

RP- Os indicadores de Sergipe estão na média dos Estados do Semi-Árido do Nordeste, que são ruins. Esse é um contexto que o Estado precisa melhorar e os administradores sabem disso. Já existem algumas prefeituras que estão fazendo parceria com Comitês de Educação no campo ou com Ong`s. Existe um movimento muito positivo sendo gestado e mostrando que é possível a educação ser desenvolvida com qualidade, por pior que seja a situação do município.

InfonetCom relação aos projetos que existem para a melhoria da educação, quais são os principais e quais de fato estão dando certo?

RP- O principal é que por melhor que ele seja, caminhe em direção a uma política pública, pois eles sempre serão limitados e vão atender a um número restrito de pessoas. Qualquer projeto experimental tem que canalizar para potencializar a melhoria das políticas públicas. Posso citar o Baú de Leitura, do qual tenho uma avaliação muito positiva, pois ele apóia a rede pública municipal, sendo colocado à disposição e mostrando para o gestor público de educação, que o prazer da leitura, possibilitado pelo acesso aos livros, contribui de maneira muito forte para a alfabetização e para a qualidade da educação.

Infonet- Quais as outras maneiras, além dos projetos, de levar educação ao campo?

RP- A melhor forma de levar educação ao campo é através da política pública. O que deve ser entendido é que a rede pública estadual é responsável constitucionalmente pelo ensino médio, mas ela também é responsável pela educação no Estado como um todo. O secretário de educação tem o dever e um compromisso ético com os municípios, pois estes não têm condições de promover a educação sozinhos. O caminho é o encontro entre educadores da sociedade civil e organizações dessa mesma sociedade, reunidas em parceria com o poder público na construção de uma nova escola, que tenha qualidade e atenda as necessidades das crianças que vivem no campo.

Infonet- Qual a sua avaliação da educação feita no semi-árido brasileiro?

RP– Estamos melhorando. Os indicadores provam isso. Em alguns casos são avanços muito pequenos. Outro fato é que as políticas públicas via doação de bolsas realmente têm impacto junto à população mais pobre. Claro que não podemos ficar só nisso, temos que aproximar as famílias das políticas públicas do mundo produtivo. A política das bolsas realmente tem ajudado as famílias a garantir as crianças na escola, melhorando a qualidade do ensino. O que é necessário prestar a atenção é que  quando se faz a análise dos indicadores por média, existe o risco de esquecer as regiões mais pobres dentro dessa região, o que chamamos de “regiões sombreadas”, com crianças “invisíveis” que não aparecem nas estatísticas. As políticas precisam chegar a todos. É o que o Unicef diz: “para todas as crianças e para cada criança”. A política quando é feita de forma igual mantém a diferença entre os desiguais.

Infonet- O que vai ser abordado no seminário que tem início nessa quarta-feira, 22?

RP- Estarão reunidos educadores dos 36 municípios que compõem o semi-árido. Vamos trocar experiências através de palestras e oficinas, além de dar a oportunidade que cidades e ONG`s apresentem suas experiências, entendendo que é possível ter uma melhoria na qualidade da educação nos seus municípios. Queremos que os educadores saiam contaminados com a educação no campo e que levem o que aprenderam para a sua escola.

Por Letícia Telles

 

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