Deux Généreaux IX.

Em 1965, quando da primeira eleição presidencial em sufrágio universal direto o general De Gaulle foi surpreendido pelo crescimento da oposição, tendo que disputar um segundo turno com o socialista François Mitterrand.

 

Em 1967, quando das eleições para a Assembléia Nacional sua maioria cai para uma cadeira, começando a ficar refém de segmentos centristas de Valéry Giscard D”Estaing e democratas cristãos cada vez mais hostis.

 

Se a direita e a extrema direita não o perdoam pelo processo de Vichy com a condenação do Marechal Pétain, e pelo “abandono” da Argélia Francesa, os setores gaullistas de esquerda se irritaram com a manutenção de Georges Pompidou como primeiro ministro, considerado muito conservador. Querem no Palácio Matignon alguém mais sensível às pressões trabalhistas e sindicais.

O filme La Chinoise de Jean-Luc Godard, lançado em 1967, retrata uma trama premonitória dos acontecimentos de 1968

No início de 1968, comentava-se na imprensa que a França vivia um grande marasmo. O jornalista Pierre Viansson-Poté, em editorial do Le Monde em 15 de março, citado por Max Gallo em “De Gaulle La statue du commandeur”, assim se refere: “O que se caracteriza atualmente nossa vida pública é o tédio. Os franceses se entediam… A juventude se entedia… O general De Gaulle se entedia… Não há verdadeiramente outra coisa entre a apatia e a incoerência, a imobilidade e a tempestade?”

 

Paralelamente a esta calmaria há um processamento crescente de democratização do ensino; de 20.000 bacharéis nos anos 50, passa-se para 75.000 em 63 e 130.000 em 1967. No ensino médio há um crescimento de 100.000 estudantes nos anos 50, pulando para 300.000 em 62 e 700.000 em 1967.

 

Há, porém, uma queda da qualidade de ensino urgindo a necessidade de se criar mecanismos para a sua avaliação. Seria esta tentativa de avaliar o ensino que deflagraria uma oposição estudantil que incendiaria a França, fatos que seriam imortalizados como “Les événements de Mai 68” , os acontecimentos de maio de 68.

 

Mas, enquanto tal agitação não acontecia o próprio De Gaulle, vendo o noticiário do desfile de 1º de maio com acomodação e desinteresse político, sente que a França vive um momento em que, prenunciando um aguaceiro, o vento diminui antecipando a tempestade que vai rebentar

 

No noticiário, somente um assunto marginal, uma revolta estudantil localizada em Nanterre, envolvendo grupos pró e contra a guerra do Vietnam, e estudantes contrários à reforma estudantil que o governo tenta introduzir com exames de conclusão de curso. Tais ações exasperaram o general, só porque acontecia justamente na proximidade de Paris, local escolhido por americanos e norte vietnamitas para as conversações de paz na tentativa de acabar a guerra no sudeste asiático.

 

Mas, a insurreição estudantil avança. Antes restrita a Nanterre, com os alunos reinvindicando o direito de freqüentar o dormitório das alunas, agora resistindo à interrupção dos cursos decretada pelo Reitor, a revolta atinge a Sorbonne, que tem a sede do Grupo de Estudo de Letras incendiada por manifestações atribuídas ao Movimento Ocidente, composto por radicais de direita.

Barricada estudantil em 1968.

Afora isso, oito estudantes de Nanterre, entre os quais Daniel Cohn-Bendit, um alemão ruivo, conhecido como Daniel, “le rouge”, ou o vermelho, são punidos com suspensão pelo Conselho disciplinar da Universidade, colocando combustível na agitação, ampliando a revolta e atingindo a Sorbonne que é ocupada e depois evacuada com 13 estudantes presos.

 

Partidário da repressão firme da “chientlit”, da desordem, ou “cachorrada” em tradução ao pé da letra, De Gaulle se impacienta com a inação de seu ministério, liderado pelo primeiro ministro Maurice Pompidou, que recusa comandar a repressão, sendo partidário de uma ação moderada de negociação e conciliação com os insurgentes.

 

Na verdade, tais insurgências eram o reflexo das agitações iniciadas nos Campi universitários dos Estados Unidos e da Alemanha, e que explodiram mais destacadamente  em maio de 1968, nas Faculdades de Naterre e da Sorbonne na França. Agitação que nos chegou, como éco geral no Brasil, e em Aracaju, em particular, com conseqüências sinistras em termos de cerceamento de liberdades e recrudescimento do autoritarismo do nosso regime militar, sobretudo a partir de 13 de dezembro de 1968, quando o Presidente Costa e Silva decretou o Ato Institucional nº 5, extinguindo as liberdades públicas, uma treva que perdurou dez anos.

 

No geral e no particular, esta geração de 1968, conhecida também como geração “baby-bomm”, ou nascida no pós-bomba nuclear, era uma juventude de traços comuns, sobretudo no ocidente onde imperavam as liberdades e a democracia. Vivia-se um momento de fastígio econômico, e todos igualmente amavam os Beatles e os Rolling Stones.

 

Vivia-se, porém, uma guerra. Era um conflito longínquo e sangrento, lá pros lados da Indochina, contra um povo miúdo e de olho apertado, na qual se envolvera o potente e sempre impiedoso Estados Unidos da América, que para ali mandara os seus marines, com muitas bombas de napalm, espalhando muita dor e destruição.

 

Ocorre que o mundo em vendo tudo isso pelo radio e pela TV, se sensibilizara com a coragem do vietcong repelindo bravamente o yankee invasor e passou a xingá-lo em todas as ruas e em todos os idiomas.

 

Daniel Cohn-Bendit, “Daniel le rouge” em 1968. Atualmente ele tem 63 anos e é um deputado do parlamento europeu, eleito pelo parrtido verde alemão

E assim a revolta estudantil francesa se fez crescente. Comandada pelos estudantes Daniel Cohn-Bendit (le rouge), Jacques Sauvageot, presidente da UNEF, União Nacional dos Estudantes Franceses, e Alain Geismar da Federação Universitária a greve estudantil se iniciou com a indiferença dos partidos políticos de oposição e com a desconfiança dos sindicatos dos trabalhadores e operários.

 

Mas, enquanto o governo inercialmente permanece sem reagir, inclusive com o Primeiro Ministro Georges Pompidou se afastando do problema e viajando desnecessariamente, em visita ao Iran, a rebelião cresce e toma corpo, agora também envolvendo os sindicatos que declaram greve geral, enquanto os estudantes começam a erguer barricadas em 11 de maio, ocupando a Sorbonne e o Teatro do Odeon sem resistência da polícia.

 

Não conseguindo do seu ministério a aprovação de uma repressão rígida, De Gaulle viaja de 14 a 18 de maio em visita oficial à Romênia onde é recebido apoteoticamente, enquanto na França os distúrbios se ampliam com uma greve geral, falhando as tentativas de negociação de Georges Pompidou, que retornado do Iran, passa a ocupar o vácuo do poder deixado pelo general.

 

Com a ausência do General a estudantada na rua grita: “Fora De Gaulle! Dez anos é suficiente! Basta! De Gaulle ao museu! O poder está nas ruas!”

 

Uma rebeldia que suscitava simpatia e medo a ponto de todos postularem uma conciliação e um recuo por parte do governo.

 

O próprio General recebera uma mensagem endereçada por cinco detentores de prêmio Nobel “lhe pedindo que fizesse um gesto susceptível de apaziguar a revolta dos estudantes”.

 

Que gesto seria este? Seria a renúncia do General? Se assim já começavam a pensar os aliados, a oposição no parlamento, por meio do Socialista François Mitterrand encaminha uma moção de censura do gabinete, moção que é rejeitada por maioria, contra a vontade inclusive de alguns deputados gaullistas que ensaiavam trocar a casaca, oportunísticamente tentando flutuar na tempestade.

 

Isolado por ministros emasculados pela rebelião, só o General se exaltava com tanto medo e covardia dos seus aliados. Ninguém como ele se revoltara tanto ao saber que os estudantes em manifestação junto ao arco do triunfo e ao túmulo do soldado desconhecido, no lugar de entoar a Marselhesa, preferiram por suprema ousadia, cantar o hino da Internacional Socialista, tudo isso na véspera das comemorações de aniversário da vitória da França frente ao invasor nazista.

 

Aos ministros que pregam um recuo questiona: “Que querem estes ministros, a capitulação do estado perante a rua? A república é a lei. A democracia é o sufrágio universal. Não é o motim que deve ditar a política, mas o governo e o chefe de estado saído do voto dos cidadãos.”

 

Enquanto isso a massa estudantil, de universitários e liceanos, engrossados agora com o operariado em greve geral, ocupando as fábricas, e os partidos de esquerda incentivando e gritando nas passeatas e assembléias aumenta o grito: “De Gaulle ao hospício! De Gaulle ao convento! De Gaulle aos arquivos! De Gaulle, tu és velho!”

 

Afora isso Yvonne De Gaulle, a esposa do general, quase é agredida fisicamente por uma multidão, que se aproximara de seu automóvel, parado diante de um semáforo vermelho.

 

Mas, nem tudo era agressividade. Há também momento para curtir eventos musicais e ironias como um plágio em cima da oração do Pai Nosso: “Nosso Charles que é tão velho / Que teu nome seja esquecido / Que teu reino acabe / Que nossa vontade seja feita…”

 

Ouve-se Jean Paul Sartre discursando debaixo de um grande cartaz; “Eu tenho alguma coisa para dizer, mas eu não sei o que é”.

Sorbonne ocupada.

Diversas palavras de ordem são repetidas à exaustão e que permanecem ainda hoje no eco da história:

 

“É proibido proibir!”;

“A imaginação toma o poder!”;

“Abaixo a sociedade especulativa do mercado!”;

“Não trabalhe nunca!”;

“Eu tomo meus desejos por realidades porque eu creio na realidade dos meus desejos!”;

“Fim da Universidade!”;

“Viver sem tempo morto é gozar sem entraves!”;

“Nada de remendos, a estrutura está apodrecida!”;

“Nós não queremos um mundo em que a certeza de não morrer de fome seja trocado pelo risco de morrer de tédio!”;

“Nós não reivindicaremos nada, não pediremos nada, nós tomaremos, nós ocuparemos!”;

“A base deve comandar a cabeça!”;

“Aqueles que fazem a revolução pela metade, não fazem senão cavar o próprio túmulo!”;

“Plebiscito: quer se diga sim, quer se diga não, ele nos faz imbecis!”;

“Após 1936 eu lutei por aumento de salários. Meu pai, antes de mim lutou por aumento de salários. Agora eu tenho uma TV, um freezer, um Volks Wagen. Entretanto eu vivi sempre a vida de um idiota!”;

“Não negociemos com os patrões, vamos aboli-los!”;

“O patrão tem necessidade de ti, tu não tens necessidade dele!” ;

“Seja realista , peça o impossível!”;

“Adquira sua felicidade. Roube-a!”;

“A barricada fecha a rua, mas abre a via!”;

“Não haverá mais de agora em diante senão duas categorias de homens; os veados e os revolucionários. Em caso de casamento, isso os fará revolucionários!” “O toque do despertador é a primeira humilhação do dia!”

 

E por aí vai…

 

Ocupando o vácuo do poder com o afastamento do General em visita à Romênia, Pompidou não consegue amainar a agitação e a greve que se alastra. Há até uma possibilidade do impedimento de retorno do General por greve dos controladores de vôo e do aeroporto de Orly, retorno que é antecipado para 18 de maio.

 

Posteriormente, vê-se que a política conciliatória de Pompidou se revela cada vez mais ineficaz, inclusive com os acordos de Grenelle, promovidos pelo primeiro ministro, entre operários e patrões e aceito por De Gaulle, sendo rejeitado pela base parlamentar.

 

Enquanto isso a agitação aumentava. Em 27 de maio uma grande manifestação popular no estádio de Charléty lança a idéia de um governo provisório, proposta que tem logo o apoio de François Mitterrand, tendo o Ex-Presidente Mendès-France colocado o seu nome para suceder De Gaulle num governo de conciliação nacional.

 

Relatam alguns íntimos do General que este se encontrava taciturno, silencioso, inacessível, acabrunhado e envelhecido. Parecia querer dizer « não se agrarra uma correnteza com as mãos ».

 

De repente, no dia 29 de maio, o General desaparece num helicóptero em meio ao caos, deixando um estupor de terríveis suposições. Este afastamento para um local desconhecido e não sabido será sua última cartada como estrategista e comandante, afinal seus aliados abruptamente jogados em orfandade, contemplavam a sua própria estatura, exposta ao desabrigo, em meio ao redemoinho da revolta que a todos revolveria.

 

Na verdade a viagem incógnita do General atacava três objetivos : Primeiro desconcertava os adversários deixando semear uma dúvida de renúncia, abandono ou outras reais intenções. Segundo a orfandade subita dos aliados com o seu desaparecimento foi um toque de clarim em seu favor, sobretudo da grande massa popular já insatisfeita com o excesso de desordem. Terceiro porque o seu afastamento fora para buscar um apoio, onde ninguém pensara até aquela hora ; De Gaulle fora buscar nos seus companheiros de armas, no Exército e nas forças francesas comandadas pelo General Massu, em Baden-Baden na Alemanha, o apoio que lhe negava seu ministério e sua aliança parlamentar.

 

De repente, eis que o velho General retorna em 30 de maio, dizendo ao seu conselho de ministros que resolvera dissolver o parlamento e que iria comunicar sua decisão à nação pelo rádio.

 

Neste apelo o velho comandante exibia sua sempre vigorosa têmpera em frases corajosas e decididas: «Sendo detentor da legitimidade nacional e republicana, eu considerei, após vinte e quatro horas, todas as eventualidades, sem exceção que me permitiam mantê-la. Eu tomei as minhas resoluções. Nas circunstâncias presentes, eu não me afastarei. Eu não mudarei o primeiro ministro que merece a homenagem de todos. Eu dissolvo hoje a Assembléia nacional. Quanto às eleições legislativas, elas terão lugar no prazo previsto pela Constituição, a menos que queiram amordaçar todo o povo francês, o impedindo de se exprimir ao mesmo  tempo que o impedem de viver, pelos mesmos meios com que impedem os estudantes de estudar, os professores de ensinar, os trabalhadores de trabalhar. Estes meios são a intimidação, a intoxicação e a tirania exercidas por grupos organizados de longa data por um partido que prega um atentado totalitário ».

 

A resposta se dá de imediato, logo no dia seguinte na avenida Champs-Élysées, com uma imensa manifestação popular em seu apoio, organizada por André Malraux et Michel Debré com cerca de um milhão de gaullistas.

 

Daí para frente tudo se acalmou, os estudantes voltaram às suas classes, os operários aos seus empregos e os partidos de oposição receberam o maior revés na história da V República, com os partidos do governo conseguindo a maioria absoluta das cadeiras (293 das 487), secundado por um centro liderado por Giscard D’Estaing, agora com 61 deputados e as agremiações de esquerda na rabada, sobretudo o Partido Socialista de François Mitterrand sendo um dos maiores derrotados.

 

Nestas eleições de 23 de junho de 1968, porém, o grands vitorioso não foi De Gaulle, mas os seus aliados Georges Pompidou e Giscard D’Estaing, que iniciariam, a partir daí, uma luta para suceder o velho general.

 

A seu modo, cada um passaria a repetir na surdina o éco antigo da « chienlit » na rua : « De Gaulle, ao museu ! »

 

O velho general começava a cansar, até mesmo os seus próprios aliados.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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