Medo e suspeita na década de 1940

Maria Luiza Pérola Dantas Barros

Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

E-mail: perola@getempo.org

Fonte: Revista da Semana, 28/11/1942, p. 27.

 

É senso comum afirmar que os torpedeamentos em nosso litoral pelo submarino alemão U-507, em agosto de 1942, no contexto da Segunda Guerra Mundial, causaram impactos no cotidiano de uma capital pacata como Aracaju. Inicialmente, eram notícias desencontradas do ocorrido, depois corpos e pertences de vítimas, juntamente com destroços de embarcações atingidas a chegar em nossas praias. A isso se seguiu a chegada de sobreviventes para os cuidados mais urgentes. Tudo acabava por atiçar a curiosidade de muitos que não esperavam nada de extraordinário de seus dias. As pessoas iam as praias ver se, de fato, os relatos dignos de um filme de terror que ouviam eram verdade.

Além da curiosidade, a revolta se fez presente. Muitos foram as ruas, em Aracaju e em outras partes do país protestar contra o ocorrido, exigindo um posicionamento do governo diante daquele fato que se configurava em um atentado à honra da nação. E, no calor dos acontecimentos, depredações à patrimônios de imigrantes ocorriam.

Passados os primeiros momentos da recepção àquelas notícias, fazia-se questão de afirmar oficialmente que a população retornava ao seu normal. Mas será que era possível retornar ao “normal” vivido antes dos torpedeamentos? Ou não seria antes um normal marcado e alimentado inicialmente pelo medo e pela suspeita?

Durante a Segunda Guerra Mundial a expressão quinta-coluna, que possivelmente surgiu tempos antes na Espanha, seria novamente utilizada para chamar os soldados que apoiavam a política do Eixo e seus aliados, sendo um sinônimo de traição. Significando assim uma pessoa ou um grupo de pessoas que se prestavam a trair o Brasil em favor do Eixo. Em Sergipe, após os torpedeamentos realizados pelo U-507, o memorialista Murilo Melins nos informa que surgiram notícias “de que os quintas-colunas sergipanos simpatizantes do nazi-fascismo (alemão e italiano) haviam norteado os submarinos do eixo”, passando a serem “alvo da fúria dos sergipanos” (MELINS,2010).

Antes mesmo dos torpedeamentos, notícias circulavam na imprensa brasileira sobre os quintas-colunas, sendo o material veiculado na Revista da Semana, periódico ilustrado de alcance nacional, um exemplo. E longe de serem notícias fruto do imaginário coletivo, elas traziam aspectos materiais relatados, como a fotorreportagem veiculada nas páginas 28 e 29 da edição de 04/04/1942, intitulada “A Quinta Coluna”, que apresentava aos leitores o fruto da ação da polícia do Rio de Janeiro, ao apreender material dessa atividade, considerada “propaganda traiçoeira”: estações de rádio, laboratórios completos, documentos e armas. Afirmava-se que a ação incessante da Polícia vinha desarticulando “essa infame cadeia de traição” da qual muitos “almirantes, generais, cientistas e religiosos”, detidos sob os mais variados disfarces, faziam parte. Ao serem presos, muitos acusados foram destinados para a Ilha das Flores, no Rio de Janeiro, conforme noticiava a fotorreportagem da edição de 02/05/1942. Ali seria o “campo de concentração dos espiões” no país (p. 13).

A Revista da Semana ecoava com as suas publicações a campanha que se intensificava contra atuação da quinta-coluna no país, inclusive se valendo da produção imagética de países como os Estados Unidos, conforme os cartazes divulgados na página 20 da edição de 20/05/1942, produzidos pela Radio Publicidade Prosper S.A. que circularam em várias revistas americanas. Neles era possível perceber a representação imagética construída em torno dos que eram nominados de “quinta-coluna”: eram pessoas a serviço do Eixo, que tudo observavam, tudo ouviam para utilizar as informações contra o Brasil, sendo, portanto, necessário destruí-los.

Essa ideia de uma população que gostava de “falar demais”, contar vantagem, e acabava por revelar alguma informação importante que poderia cair em mãos erradas estava em circulação nos Estados Unidos em 1942, e a Revista da Semana se valia disso por afirmar que tal comportamento também era “do agrado da nossa gente” (28/11/1942, p. 27). Divulgações como essa, quando feitas após os torpedeamentos, acabavam por mobilizar também a memória recente do ocorrido, principalmente quando afirmavam: “Você sabe qualquer coisa a respeito dum navio que pode estar transportando um contingente de tropa nacional para determinado logar. Passando adeante semelhante noticia (…) lembre-se de que está jogando com a vida dos seus compatriotas, com a sorte dos soldados de sua terra ou dos seus aliados”.

A preocupação com a quinta-coluna no Brasil não ficou restrita ao ano de 1942, conforme é possível observar em números da Revista da Semana que abordavam a temática nos anos seguintes. Dito isso, podemos perceber como o “normal” almejado na sociedade brasileira pós-torpedeamentos possuía espaço para o medo de que novos ataques ocorressem, e como tal sentimento era constantemente alimentado pelo que divulgava-se na imprensa nacional, a exemplo da Revista da Semana, que associava a possibilidade de ataques semelhantes tanto à ação de  pessoas à serviço do Eixo residentes no país quanto, conjuntamente, à capacidade ou não da população de cercear o que conversava e com quem conversava, para que informações importantes não chegassem a tais indivíduos.

 

Para saber mais:

MELINS, Murilo. Aracaju romântica que vi e vivi: anos 40 e 50. Aracaju: UNIT, 2010.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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