A ciclovia do Rio e a Ponte de Pedra Branca.

No recente desabamento da ciclovia de São Conrado no Rio de Janeiro muita coisa tem sido dita para explicar o desastre.

Lembrei-me de feito igual quando houve o desabamento da ponte de Pedra Branca em que fiz um artigo e resolvi não publicá-lo, afinal palavra melhor seria dada por Engenheiros, e eu fui apenas um docente de Engenheiros, lecionando disciplinas básicas no campo da Mecânica, da Termodinâmica e do Eletromagnetismo. E Matemática o que não vem ao caso.

Agora caiu a ciclovia. Uma onda gigantesca fez flutuar uma estrutura de concreto que seria impensável acontecer.

Leio nos jornais que a ciclovia pairava sobre uma gruta muito bonita, parece-me batizada como “Gruta da Imprensa”, e que vivia abandonada embora fosse muito bela.

Burt Lancaster e Deborah Kerr em beijo adulterino inesquecível.

Tal gruta era visitada por amantes do belo que por ali iam ver o mar bater no rochedo em luta sem cansaço.

Em alguns dias o mar estava calmo digno de encontros amorosos como aqueles entre Burt Lancaster e Deborah Kerr em A Um Passo da Eternidade (FROM HERE TO ETERNITY).

Em outros estava terrível.

Como o acesso da gruta era difícil, o local virou recanto marginal sem alarde na imprensa.

Com a proximidade da olimpíada, porém, resolveu-se construir por ali uma ciclovia em projeto ousado esteticamente falando.

Houve então o envolvimento do Patrimônio Histórico e outros quejandos exigindo que fosse bem preservada a gruta que vivia abandonada.

Se foi por isso ou por causa disso, o projeto se revelou mais arquitetônico e menos apoiado em estruturas mais sólidas.

O fato é que a ciclovia foi derrubada pelos marulhos de Netuno, o deus das ondas que não tem nada a ver com ondas, zoadas e marulhadas dos homens insensatos.

No meu tosco pensar, ouso compreender o acontecido, refletindo em obviedade ingênua e mucuim.

Tomemos a figura tosca a baixo:

Numa ponte simples, o seu peso e o das cargas suportadas é P.

P atua verticalmente de cima para baixo.

F são as forças resistentes nos apoios laterais do vão.

A ferragem é disposta de modo a se responsabilizar pelos esforços de tração. Já o concreto atua nos esforços de compressão.

Ambos devem se completar de modo a suportar o peso e as naturais oscilações.

Tais oscilações fazem a ponte fletir transversalmente, sobretudo verticalmente.

Em escala bem menor, ocorrem também vibrações transversais horizontalmente, geralmente amplificadas por efeitos externos como ação eólica, outros agentes climáticos e ondas longitudinais, que são em menor intensidade, mas existem, e o cálculo estrutural não pode prescindir de tudo isso.

No caso da passarela de São Conrado no Rio de Janeiro, atuaram forças que chamaremos E, verticalmente de baixo para cima, um fato impensável, porque nada flutua por acaso.

Pode ter havido erros na construção, mas faltou sobremodo o aviso das frequentes ressacas marítimas entre outros descuidos.

A Engenharia não pode tudo, mas ela não erra. Ela não é imune aos enganos dos engenheiros e gestores.

Forças de empuxo (permitam-me chamá-la assim) como as da ressaca monumentalmente fatídica só são previsíveis quando bem estudadas.

Faltou talvez a observação prévia dos que se embeveciam com as ressacas do mar bravio.

Estas coisas acontecem. O sergipano Jackson de Figueiredo, por exemplo, pagou com a vida por descuido semelhante ao contemplar as ressacas do mar carioca.

Quanto à Ponte de Pedra Branca, ouso agora publicar o artigo que faltou divulgar.

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Os olhos de Dr. Echleburg e a culpa de todo mundo.

A ponte de Pedra Branca desabou e com ela a adutora do São Francisco deixou Aracaju sem água.

De quem foi a culpa?, perguntam logo os que desejam um bode expiatório.

Foi nossa! Respondo logo e bem rápido, afinal ninguém aí pode se isentar de responsabilidade.

Muitos, porém, querem que se repita aquela musiquinha sem vergonha (“La tem culpa todo mundo, seu doutor! Só não tem culpa eu!”) e valesse integralmente o chiste maior de descompromisso com a verdade.

Porque da queda da ponte, todos tem responsabilidade, inclusive e sobretudo eu, repito, por contemplação indiferente de sua degradação em olhos complacentes ao seu existir e fenecer.

Existisse à beira da ponte um outdoor como aquele dos olhos do “Dr. J T Echleburg”, imaginado por Scott Fitzgerald em seu notável Grande Gatsby, aqueles grandes olhos azuis teriam contemplado tudo.

Na ficção Scottiana, como na realidade acontecida na ponte, enquanto novo “vale de cinzas”, o passado estaria, persistente e vigilante, com seus olhos "enormes e azuis", testemunhando tudo o que ali acontecia, igual ao olhar, senão de Deus, mas do criador, vendo tudo calhar e se degradar ao dessabor da desídia dos homens.

Desídia que nos acompanha, enquanto geração perdida, pior que a de Fitzgerald, sem bebedeira, nem cirrose, mas refém de outro tipo de droga, tão perniciosa quão alucinógena, cujo reflexo se faz eczema purulenta, verdadeira pústula país a fora.

Porque se Scott Fitzgerald pertencera àquela geração perdida dos anos 20 do século passado, enlouquecida no álcool e no absinto, nós, eu e minha circunstância, somos desta geração pior, porque, longe de burilar ficção, resolvemos processar a realidade da própria circunstância para desfigurar o entorno e a circundância, em denúncias irresponsáveis de “comissões de verdade”, quando a vida exige apenas que os homens se sucedam uns aos outros, evitando o erro e sejam competentes e zelosos, apenas.

E nós, enquanto nova geração perdida, nós não temos sido nem competentes, muito menos zelosos, e a queda da ponte é um mero exemplo.

Fomos omissos sim. Em demasia! E bote omissão nisso! Tudo observado pelo olhar impessoal do Dr. Echleburg na ficção do Grande Gatsby, ou do Dr. Augusto Franco, se tivessem erigido ali um cartaz da sua efígie enquanto realizador daquela grande obra da adutora do Rio São Francisco.
Uma omissão nossa que começa bem antes da adutora, porque nunca louvamos em suficiência a beleza daquela ponte que tanto me embevecia quando por ali passava em criança.

Uma ponte que não era apenas uma “obra d’arte”, como costumam dizer os projetistas de estradas.

A ponte de Pedra Branca era verdadeiramente uma obra de arte, arquitetonicamente falando para a sua época.

E, mesmo hoje, bem poderia estar listada entre as dez maravilhas sergipanas. Ou não?

Quem foi o seu projetista? Alguém sabe por acaso o seu arquiteto inspirador?

Sabe-se apenas que foi construída num governo autoritário, o primeiro dos muitos de Getúlio Vargas.

Foi inaugurada em 1933, sendo batizada como “Ponte José Américo de Almeida”, um paraibano como João Pessoa, e como ele homenageado em Sergipe, por provincianismo rotineiro da nossa política mirim.

Puerilidade nossa que se agigantou na época da inauguração, só porque teve a presença de Getúlio, o “bom ditador”, como reafirmam as esquerdas sempre em auto-louvação stalinista, solenidade cujo maior destaque local fora, merecidamente, o interventor estadual Augusto Maynard Gomes. Outro que por certo bem estaria ali em olhar de Dr. Echleburg.

Tentei localizar fotos da ponte. Não tenho nenhuma. Tenho-as apenas na memória que passou mas permanece.

Em pesquisas na internet, encontrei algumas fotografias nos acervos divulgados por Armando Maynard, louvável registro histórico de sua página Sergipe em Fotos, imagem postada por Eduardo Cabral na página do Facebook/MTé Sergipe, a quem agradeço e peço escusas por eventual dolo na divulgação não autorizada.

Quanto às minhas lembranças, recordo um sibilar afável na passagem do  automóvel pela majestosa ponte;  uma espécie de  sussurro, um cicio, acolhedor e continuado. Algo que soava assim: “siiil, siiil, siiil,…, siiil”, repetidos oito vezes, creio, sucessivamente, o suficiente para despertar o meu questionamento infantil.

Recordo que me explicaram ser por conta da junta de dilatação, coisa que eu não entendia então. Algo que se expandia pelo dia e se comprimia à noite por oscilação térmica, quando o ruído deveria desaparecer.

Mas não era por isso. Eu mesmo comprovei, porque em viagens noturnas também se escutava o mesmo cicio.

Seria este sussurro fruto de um trinado produzido pelo vácuo do movimento rápido do automóvel, gerando vibração nos arcos laterais da ponte, harpejando a série de cordas metálicas que a compunham, no esforço de sua sustentação?

Sem poesias ou eventuais elegias sabe-se que vigas e estruturas físicas, iguais às hastes e cordas dos instrumentos musicais, exibem sua vibração natural ou forçada, com os seus harmônicos.

Assim, toda ponte vibra, o mesmo se dizendo dos seus pilares, verticais ou curvilíneos, eventuais cordas de esteio, e cabos estaiares, como melhor exemplo se vê na Golden Gate da Califórnia e na Ponte Aracaju-Barra dos Coqueiros o nosso melhor cartaz.

Cartazes à parte, e sem análises de cicios curiosos, dois problemas entre muitos são letais às pontes.

Um é apenas um fenômeno químico, tão comum, como rotineiro e continuado; a corrosão, a fadiga do material componente, fruto da longevidade e sobretudo da desídia inerente à má conservação.

O outro problema, bem mais raro, é inerente às oscilações forçadas. Chama-se ressonância.

É o que acontece quando um agente externo à corda ou superfície vibrátil  sofre a ação de uma força ritmada de modo a acrescer-lhe a amplitude da despercebida oscilação.

O resultado é um aumento excessivo desta amplitude em valores incompatíveis com a estrutura de sustentação que a compõe. A ponte pode vibrar muito além do que suporta e desmoronar.

Neste particular há o exemplo da ponte de Tacoma, que foi derrubada por efeito de ressonância em meio a uma grande ventania e cujo filme pode ser encontrado no Youtube em https://youtu.be/dvRHK4yA8rc  ou em https://youtu.be/qHpaQstDNbU

Sendo a ressonância um fenômeno verdadeiro, mas nem de todo comum e rotineiro enquanto causa de sinistro, recomenda-se por registro de cautela, que movimentos ritmados, tipo desfile militar, ou bloco carnavalesco, arrefeçam seus passos e gingados, quando estiverem passando sobre pontes, ou outras estruturas acima do solo.

E assim, muitos acharam que a ponte de Pedra Branca desabou por causa de um trotar de cavalos. Algo mais risível que impossível.

Foi quando o risível restou terrível e o impossível se espraiou no incredível desmoronamento da adutora, ensejando o caos, digno do desmando paulista de secura da Cantareira.

Ou seja, nós que não tínhamos problema de imprevisão de falta d`água, sem estiagem, terremoto, ou qualquer clivagem de vadiagem, ficamos sem água, só para demonstrar que o nosso abastecimento é assaz vulnerável. 

Com tanta água derramada, a ponte de Pedra Branca desabou demonstrando que não fora suficiente analisada para a condução de uma adutora, por princípio, duas depois, e três, quatro ou mais se a necessidade assim exigisse, e o sonho alimentasse as soluções simples só norteadas no imponderável.

Sim, porque o desastre está a comprovar que a utilização da ponte foi temerária desde o princípio. Preferiu-se o traçado rodoviário utilizando a velha ponte ao traçado ferroviário que ensejaria uma “obra d’arte” com um vão menor.

Ao dizer assim, estou me acusando de culpa, sobremodo, afinal como cidadão mirim sempre pensei assim, desde o princípio, quando se projetava a adutora, e nunca externei qualquer crítica ou suspeita, acreditando ter sido genial a utilização da Ponte de Pedra Branca confiando em sua solidez, crendo-a igual às construções romanas erguidas há dois milênios, e ainda resistentes na Europa ocidental.

Acontece que a bela ponte fora muito mal tratada, sobretudo a partir dos anos 60 e 70 do século passado quando houve um acréscimo substantivo de seu uso, com cargas excessivas para a sua capacidade.

Os que lembram da sua utilidade, sabem que a ponte de Pedra Branca não era sustentada por pilares verticais, mas por vigamentos curvilíneos, arcos que corriam paralelamente ao longo da sua extensão, mergulhando no rio em apoios que ainda resistem, só Deus o sabe, até quando.

Estes  arcos retesavam travas metálicas, espécie de sustentação estaiar, que embelezava a construção, e no meu entender provocava a sonoridade curiosa que acontecia durante a passagem dos automóveis, algo que bem se pode ouvir e repetir toda vez em que o ar é rapidamente ferido pela lâmina de um florete.

Floretes ou cordas trinadas à parte, todos lembram que os arcos laterais eram ligados transversalmente por balizas em vigamentos, cuja finalidade era também a de amortecer a oscilação lateral dos majestosos arcos, enquanto limitavam a altura dos veículos passantes, uma espécie de restrição, quem o sabe, ao tamanho e à carga, delimitando o transporte permissível e compatível.

Permissibilidades e compatibilidades que não foram respeitadas quando uma máquina pesada necessária ao nosso desenvolvimento industrial teve que passar  pela velha ponte, já quase cinquentenária.

Porque aquela máquina atravessou toda a ponte abalando e deixando fissuras em uma, duas, três, quatro,… todas as barras transversais. E mil se tivesse, danificando irremediavelmente a estrutura da obra, naquele fatídico transporte nos anos 1970.

Todos sabem que a partir daí a ponte teve que ser interditada. Passou a funcionar em fluxo de via única. E uma urgência foi estabelecida levando a construção de uma derivação paralela, sendo a velha ponte devidamente condenada e desde então colocada em disponibilidade e ociosidade.

Alguém então resolveu usar a velha ponte como adutora.

Seria uma solução para um milênio no abastecimento de água de Aracaju.

Hoje se vê que algo foi imaginado genial, mas possuía um fragilidade letal: e a ponte ruiu carregando o sonho daqueles que não devem abusar da engenharia.

Porque os que trabalham com Engenharia sabem que toda ponte cai; sobretudo as mal cuidadas e pior conservadas.

Hoje, porém, todos querem encontrar um culpado e desejam até cobrar uma multa injusta da DESO, logo a DESO que foi eficiente e precisa na solução do caos que se instalou com a interrupção da adutora.

Se há culpa, todos a temos, sobretudo os que lidam com as análises de risco e não alertaram convenientemente a tempo de evitar o desastre. Ou alguém alertou que aquela ponte estava para cair?

Que toda ponte cai, todos o sabemos. Não adianta falar em tese, só agora e para lamentar a água derramada.  Os olhos de Dr. Echleburg, como os de Deus, estão vendo tudo, sem poder lamentar nem interferir, com tanta negligência.

E nessa displicência coletiva, mais lamentável para mim foi o desleixo com que foi tratado aquele postal arquitetônico erigido em terras sergipanas, e que viveu e feneceu sem os devidos cuidados do nosso patrimônio histórico. Todos fomos indiferentes ao seu existir.

Quanto à adutora, caso seja reconstruída mantendo-se o seu traçado utilizando os pilares da ponte que restaram, que seja feito pelo menos o necessário estudo de carga e esforço dos apoios, afinal o que desaba uma vez, sempre pode cair de novo, com ou sem cavalo.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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