A IGREJA VIVE

A morte do papa João Paulo II, mais do que qualquer outro acontecimento ocorrido nos últimos séculos, serviu como prova de que a Igreja Católica Apostólica Romana permanece viva. Não apenas para consagrar um dos seus maiores dogmas, aquele que diz que “é morrendo que se vive para vida eterna”. Mas, sobretudo, para demonstrar que ainda respira ativa na vida terrena, conservando a sua condição de instituição respeitada, acreditada e cultuada em vários rincões do planeta.


Permanece respeitada apesar dos terríveis anos em que a Inquisição queimou na fogueira almas que amavam Jesus Cristo, enquanto, sem qualquer remorso, protegia e abençoava ditadores. Permanece acreditada em plena era do “Código Da Vinci”, em que o escritor
Dan Brown denuncia a trama engendrada pelo Vaticano para esconder a importância de Maria Madalena na formação do cristianismo e, de quebra, para reduzir o papel da própria mulher nas atividades religiosas.

Permanece cultuada mesmo quando assume posturas absolutamente incompreensíveis no mundo moderno, a exemplo da proibição do uso de camisinha para combater a Aids. No entanto, a comoção mundial quando do velório e sepultamento do homem Karol Wojtyla atesta que a Igreja continua a mobilizar e sensibilizar, perdoando e sendo perdoada por seus erros.

Talvez seja até a palavra perdão o grande diferencial do papa João Paulo II, pois, como nenhum outro, buscou redimir a posição omissa ou assumidamente preconceituosa da Igreja em relação aos judeus, aos mulçumanos e à todos àqueles que, com a mesma fé, acreditam em outros deuses. Talvez a novidade tenha sido a humildade de reconhecer que o mundo não gira em torno do Vaticano, caminhando, em função desta compreensão, por mais de cento e vinte paises.

 

Em quase vinte e sete anos de pontificado, João Paulo II condenou a Guerra do Iraque, criticou o socialismo da Nicarágua e rejeitou a opção pela pobreza dos que defendiam a Teologia da Libertação. Recebeu o estadunidense General Bush, conversou com o cubano Comandante Fidel, condenou Osana Bin Ladem e estimulou o Lesh Valesa a derrubar o autoritarismo da Polônia. Pregou o amor, condenou a união amorosa entre duas pessoas do mesmo sexo, defendeu a igualdade, limitou a atividade sacerdotal das mulheres, defendeu a vida, proibiu que células-troncos fossem utilizadas para mantê-la. 

 

Suas certezas, contradições, dúvidas, erros ou acertos foram as certezas, contradições, dúvidas, erros ou acertos da própria Igreja. E não poderia ser diferente, pois um papa é a santidade infalível da Igreja, sua voz e seu pensamento. João Paulo II, portanto, viveu a Igreja Católica da mesma forma com que a Igreja viveu Karol Wojtyla.

 

Os milhões de católicos que se aglomeravam para se despedir do papa, estavam ali a dizer que compreenderam estas certezas, contradições, dúvidas, erros e acertos. Vários deles assumidamente discordavam do que pensava João Paulo II, especialmente de seus ensinamentos, encíclicas e sermões. Mas, também publicamente, demonstraram que o perdoou, assim como ele próprio absolveu o terrorista turco Mahmet Ali Agca, que no dia 13 de maio de 1981 quase o matou.

 

A Igreja que vive após a morte de João Paulo II certamente compreendeu o sentimento de comoção e solidariedade expressada pelos milhões de católicos que se despediram de Karol Wojtyla. Também percebeu que um papa continua exercício fascínio sobre homens e governantes, católicos ou não. Não deve, ainda, ter passado desapercebido que a evolução da própria humanidade implica na evolução de seu próprio pensamento, assim como também fez João XXIII e o Concílio Vaticano II.

 

O Sacro Colégio de Cardeais, composto pelos cardeais de todo o mundo com direito a voto, proclamará nos próximos dias o nome do novo papa. E quando a multidão de católicos escutar o famoso “Habemus papam!” (Temos um papa!) confirmará que a sua Igreja Apostólica Romana vive. E vive para consagrar um novo tempo, uma nova era e, talvez, um novo pensamento.

 

* Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br

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