Eu tenho um amigo, permito-me não dizer o seu o nome, que traz no seu vasto currículo de boêmio um acalentado noivado de 15 anos, ao qual se soma um tórrido namoro de cinco anos. É claro que todos os seus amigos, não raro em tom de visível gozação, ficam sempre a repetir a óbvia pergunta sobre o dia em que será realizado o casamento dos pacientes pombinhos, até porque, como se sabe, o noivado é uma espécie de aviso prévio em que um dos parceiros comunica ao outro que a vida em integral comunhão estará muito próxima. Meu amigo, como experiente homem da noite ou mesmo em função da sua já rodada caminhada amorosa, nunca passou recibo da provocação, inclusive adotou uma resposta padrão que sempre considerei perfeita.
Diz ele, com uma expressão estudadamente séria, que se casará em “agosto”, fazendo crer ao seu interlocutor que se casará no oitavo mês de ano. Percebendo que conseguiu o seu intento, ele cuida logo de esclarecer a resposta: – A gosto é quando irei casar, a gosto de Deus, a data eu não sei, somente sei que será a gosto de Deus. É neste momento que interlocutor percebe a divertida armadilha em que caiu, pois o meu amigo não fixará qualquer data para o seu casamento, tampouco pretendeu assim fazer, até porque não quer se divorciar de sua curtida vida de solteiro.
Não sei o que pensa a noiva do meu amigo sobre a necessidade da aprovação divina para que seja marcada a data do seu casamento, embora ela não esboce qualquer sorriso de aprovação quando escuta a sua brincadeira. Também não sei se um dia o casamento fará parte de suas vidas, não arrisco dar qualquer palpite, mesmo porque as razões do coração somente são audíveis para os que estão sintonizados na sua gostosa melodia. O que sei é que os dois estão juntos há mais de vinte anos, navegando firmes e confiantes, resistindo às tempestades que ousaram abalar a longa travessia.
O namoro do PT com a CUT teve início dia 28 de agosto de 1983, na cidade de São Bernardo, quando juntos fizeram juras de amor e fidelidade, especialmente por compartilharem dos mesmos sonhos e projetos para a cidadania. Ninguém tem dúvida de que este noivado, como o do meu amigo, sofreu vários abalos e superou inúmeras crises, algumas delas resultando mágoas, outras provocando redefinições e rompimentos com vários amigos comuns ao casal. Mas a despeito de tudo, os dois sempre demonstraram que se amavam e, mesmo sem estarem oficialmente casados, pareciam estar em permanente lua de mel.
Aliás, os dois demonstravam acreditar que o casamento estava muito próximo, até porque o PT já havia adquirido a sonhada casa própria. Melhor ainda, passou a ter como moradia um enorme e cobiçado palácio, localizado em Brasília, onde a alvorada desabrocha poderosa, desejando paz e amor durante todos os dias. E logo que se instalou na nova moradia, o amoroso PT avisou à esperançosa CUT que o casamento não tardaria, apenas precisaria fazer algumas reformas no palacete, pois o antigo morador o tornara inabitável para o amor que ambos queriam.
Mas para desilusão dos amigos que torciam pelo casamento dos dois, o mês agosto não ficou tão a gosto de Deus, pois as reformas anunciadas somente serviram para edificar traumas e crises na paciente relação amorosa. A CUT alega que foi enganada, pois o PT não está respeitando as promessas de amor e os projetados sonhos de união, fidelidade e identidade. Pelo outro lado, o PT argumenta não que sabia que o palácio era tão pequeno e exageradamente desorganizado, exigindo urgentes e desesperadas reformas, sob pena de nunca se tornar o lar da liberdade, igualdade e solidariedade.
Os acontecimentos ocorridos durante a votação da Reforma da Previdência parecem demonstrar que o noivado está em sua fase mais crítica, ambos adotando medidas que dificultam uma futura reconciliação. Depois dos lamentáveis episódios, eu não sei se será do gosto de Deus apaziguar os dois briguentos noivos, tampouco sei se o mês de agosto marcará a data oficial da separação. O que sei é que enquanto os dois seguirem brigando, independentemente de quem tenha razão, os antigos moradores do palácio continuarão torcendo para que do namoro seja substituído pelo irrevogável desgosto, pois somente assim poderão voltar a morar lá.
(*) Cezar Brito é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear.
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