Ainda o “Questionário de auto-ajuda social”

Os textos de auto-ajuda têm mesmo espaço garantido no mundo editorial. Não importa o tema ou o autor, sempre aparecerá um leitor disposto a questionar e ser questionado sobre o assunto em debate. Não foi diferente no que se refere ao “Questionário de auto-ajuda social” publicado na semana passada.  Recebi vários emeios e comentários sobre os quesitos apresentados, inclusive no sentido da ampliação dos itens. O curioso é que quase todos tinham em comum a constatação de que o seu emitente se confessava um necessitado de “auto-ajuda social”.

Reconheço que não esperava a quase-unanimidade das respostas. Surpreso, acreditei que queriam apenas fazer um agrado ao colunista-questionador, até porque a gentileza faz parte do coração nordestino. Entretanto, admito, fiquei encafifado. Dúvidas brotaram no solo fértil da imaginação. Será que realmente as pessoas se recusam a fazer do Brasil um país melhor? Será que assim se comportam por falta de legislação? Será que a inércia é provocada pelo desconhecimento dos direitos que garantem a participação popular no controle das políticas públicas? Será por desencantamento, acomodação ou desilusão na democracia participativa? Será em razão da falha no universo pesquisado, por pequeno e bastante localizado?

Como dúvidas existem para serem dissipadas, não podia perder a oportunidade que ocorrera na semana que passou, mas precisamente durante o VI Congresso Alagoano de Direito Público. Era mesmo tentador ampliar o universo pesquisado, ainda mais quando o meu tema era exatamente o do “Controle Social de Políticas Públicas”. Ademais, o número de participantes, superior a mil e trezentos inscritos, era um referencial extraordinário. Eu realmente não tinha melhor e mais diversificada oportunidade para testar o meu “Questionário de auto-ajuda social”. E evidentemente não a perdi.

Assim é que, logo após as saudações iniciais, perguntei aos congressistas, como consta do “Questionário”, quem conhecia o CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o CNS –  Conselho Nacional de Assistência Social, o CNS – Conselho Nacional de Saúde, o CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, o CONAD – Conselho Nacional Antidrogas,  o CONCIDADES – Conselho das Cidades, o CNDM – Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o CONDRAF – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e outros conselhos estaduais ou municipais com nomes assemelhados. Questionei ainda se já tinham participado de alguma associação de moradores, conselho de classe, sindicato, conselho tutelar, associação de classe ou ONG. E, por fim, quem já participou de passeatas, orçamento participativo, audiência pública, protesto, manifesto, assinatura de lei de iniciativa popular, comitê de combate à corrupção eleitoral ou outros tipos de reuniões que tivessem como pauta o controle das políticas públicas.

As respostas foram arrasadoras. Contava-se nos dedos o número daqueles que conheciam alguns dos órgãos ou que tivessem participado de duas ou mais das atividades citadas. Aquele público especial, formado por profissionais e estudantes de direito, descobriu, abismado, que era “dependente de ajuda social”. Apesar de conhecer a regra constitucional de que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, nada fazia para a sua eficácia plena. Mesmo sabendo que esta conhecida Constituição lhe garantia o livre acesso à informação e à associação, bem assim os instrumentos legais para a defesa de seus direitos, nunca se permitiu sair do campo da teoria. Ainda que tivesse ciência do reconhecimento constitucional da participação popular no planejamento, monitoramento, fiscalização, cobrança, acompanhamento e avaliação de resultados das políticas públicas, jamais fizera parte de qualquer grupo de ação.

E se não lutava para tornar eficaz a própria Constituição Federal, também era de se esperar que nada fizesse para tornar real a lei que torna transparentes as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo, que ficam disponíveis durante todo o exercício no Poder Legislativo e no órgão técnico responsável por sua elaboração, para fins de consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade (art. 49, Lei Complementar 101/00). Da mesma forma, no que se refere às Leis 8.742/93, 8.142/90, 9.394/96 e 10.257/01, que permitem a participação popular, respectivamente, nos órgãos que deliberam sobre as políticas públicas em Assistência Social, Saúde, Educação e Cidades. E assim permanece em relação a outras normas que falam em participação popular.

Após os debates, o pesquisador e os pesquisados chegaram à conclusão de que era preciso superar a fase das teorias e questionários de auto-ajuda. Concluiu-se, ainda, que a ausência de participação popular não decorria tão-somente do desconhecimento ou da falta de eficácia da legislação brasileira. Concluiu-se, finalmente, que a omissão no que se refere a participação popular era uma prática injustificável, mas que, entretanto,  podia e iria ser mudada. Aliás, evoluir faz parte da natureza humana, sendo o mais eficaz mecanismo de auto-ajuda social.

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