“ARRÓIA, BOTA PRA LÁ”

Feriado é um desses vocábulos de várias facetas, tanto podendo ser empregado como substantivo masculino, tanto quanto adjetivo. Usa-se, também, de forma simultânea, inclusive com a faculdade de fazer feriado o próprio português, trocando-o por outras palavras com o mesmo sentido. Feriado pode, para complicar a coisa, significar palavras excludentes e contraditórias, dependendo apenas do modo em que ele será aproveitado.


A diversidade permanece mesmo quando o feriado é dedicado a confortar o espírito, até porque, neste caso, nem todos são chegados ou acreditam no mundo invisível. A única coisa visível no campo do feriado é a sua infinita funcionalidade, pois serve para descansar, hibernar, repousar, pescar e relaxar, assim como, sem nenhum pudor, viajar, agitar, arriscar e badalar nos bares e boates da vida. Aliás, hotéis agitados, fazendas tranqüilas, bares lotados, almoço em família, trânsito congestionado, ruas vazias, praias alegres e reservados encontros religiosos também fazem parte do mesmo tributo à variedade.


Exatamente com a intenção de brindar a diversidade, reunimos um grupo de amigos para badalar no sacro feriado da Semana Santa. Como diversão não guarda relação direta com o estado civil, a idade ou o sexo do seu cultuador, nossa confraria reuniu as mais variadas espécies, nela se tornando sócios pais e filhos, parentes e muito pelo contrário, compromissados e desatados, além dos animados solteiros e enrolados. Mas antes que caia sobre o grupo a acusação de sacrilégio, é de se registrar que o agito programado teria um clima assumidamente rural, mais especificamente na conhecida Grande Cumbi.


Tudo bem que alguns moradores da região mantiveram a acusação de heresia, pois, segundo eles, na chamada Santa Semana é proibido ingerir bebidas alcoólicas ou até mesmo tirar leite de vaca, sob pena de sair sangue de suas tetas. Também fomos acusados pelo cometimento do pecado de andar de cavalo, mesmo argumentando que passear sob a lua cheia do sertão era um presente de Deus que não poderia ser recusado. E, para agravar o rol de acusações, não comemos o caríssimo bacalhau, paradoxalmente cobiçado nessa época por simbolizar sacrifício e resignação.


Mas, para alívio de todos, o perdão veio logo a galope, uma vez que no Sábado de Aleluia tivemos o raro privilégio de curtir, sem qualquer punição, a grande festa que é a Feira de Nossa Senhora da Glória. Lá tem tanto agito e alegria que, como diriam Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, agente “v
ai olhando coisa a granel, coisa que, pra mode vê, o cristão tem que andar a pé”. E se cansado ficar, pode tomar um bom chá, receitado em voz alta para que todos possam escutar, pode até, aprofundando publicamente o papo, solver o “levanta-defunto” ou provar a ação medicinal do cobiçado “fura-caçola”.


Salvo pelo castigo sofrido por cinco integrantes da caravana, que confundiram Feira Nova com Monte Alegre (um pequeno erro de aproximadamente cinqüenta quilômetros) o feriado terminou como se propôs. Agitado e tranqüilo, rural e urbano, aglomerado e vazio, sacro e laico, enfim, alegremente plural. E assim também concluíram
Marlton, Lílian, Taciana, Juliana, Max, Acrísio, Margarite, Marcio, Alê, Malu, Manu, Gabi, Diego, Ruan, Ceiça, Célio, Erisvaldo, Gena, Wesley, e outros que apareceram depois.


Outros feriados surgirão, alguns curtos e outros apelidados de feriadão, trazendo as mesmas contradições, diversidades e reflexões. Serão diferentes uns dos outros na medida em que desejarmos ou ousarmos diferenciar. Serão alegres se risonho formos, tristes se assim reproduzirmos, profanos se for o nosso mais profundo querer ou apenas um dia qualquer se a acomodação morar em nosso coração.


O mês de abril começa já anunciando mais um feriadão, agora dedicado à memória de Tiradentes, um homem que ousou desafiar o seu tempo, sonhando com a Independência do Brasil. Como ele será encarado ou vivido por todos nós ainda não se sabe, mesmo porque as opções são muitas e plural. Mas se quiserem um conselho sobre o que fazer no dia 21 de abril, não tenho dúvida em mandar sacudir a poeira, sair da monotonia e agitar a sua vida, ou, resumindo com uma frase que aprendi em Cumbi, “arróia, bota pra lá”.

 

* Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br

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