COMIDAS E PANELAS NA COZINHA BRASILEIRA

A genial Marisa Monte interpretou, com maestria e sensibilidade, uma das maiores reivindicações do planeta, mais exatamente o clamor por comida. E não apenas aquela que poderia saciar a fome que faz definhar o corpo, embora seja uma magnífica vitória derrotar de vez este absurdo crime contra a humanidade. Encantou-nos ela quando bradou que “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte; a gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte; a gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão, balé; a gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer”.


Não estava a pregar, como afoitamente se poderia pensar, que queria defender a velha e perversa lógica romana de que para dominar o povo bastaria distribuir “pão e circo” para todos. Até porque no país do futebol, do carnaval, das cestas básicas, da indústria da seca, dos programas de saúde pré-eleitorais e das diversas bolsas governamentais todos já sabem de cor e salteado qual a política mais adotada. Seria, portanto, inócuo cantar o que já se sabe fartamente ou o que já se faz abundantemente.

 

Eis porque, para não deixar qualquer dúvida, ela arrematou “a gente quer dinheiro e felicidade; a gente quer inteiro e não pela metade”. A fome que deveria ser saciada é mais profunda do aquela causada ao corpo, mesmo porque o corpo precisa de prazer, plenitude e felicidade para que se sinta inteiro.  Na panela da vida vários ingredientes devam ser adicionados, misturados e cozinhados para que possa ser chamado de comida.

 

Dentre estes saborosos ingredientes não se pode jamais esquecer que a ética é um tempero fundamental para preparar o manjar da felicidade. Assim como é delicioso saborear a sinceridade, a simplicidade e o respeito ao próximo, fantásticos petiscos que são servidos quando se é convidado para participar do banquete da vida. E em tempo de alimentação plena, principalmente quando se é farta a comida servida, o único cuidado que se deve ter, sob pena de sentir a dor amarga da indigestão, seria evitar degustar a intolerância, experimentar a arrogância e solver o néctar da insensibilidade.

 

É exatamente esta a mensagem que passou o povo brasileiro através do programa Big Brother, um dos mais retumbantes sucessos televisivos do mundo, competentemente transmitido pela Rede Globo. Foram claramente rejeitados aqueles convidados que mastigaram os frutos da intolerância, da intransigência e do conchavo, ainda que usando a desculpa de que apenas participavam de um simples e inofensivo jogo. O recado não poderia ser mais claro, ou melhor escrevendo, disseram-nos que na cozinha dos brasileiros a panela utilizada não guarda espaço para sabores indigestos.

 

Basta observar que os cozinheiros da Tropa de Choque do BBB 5, aqueles que cozinharam o jogo através de uma assumida “panelinha”, foram fritados paulatinamente. Primeiro, quando o ajudante de cozinha Giulliano bateu o até então recorde de oitenta e sete por cento de rejeição, assim como o seu parceiro Paulo André (PA) foi premiado com o elevado índice de setenta e dois por cento de desaprovação. Nada igual ao destino do chef da cozinha, o médico Rogério, que bateu dois recordes incríveis e incontestáveis, foi eliminado por mais de vinte e sete milhões de votos e, de quebra, provou do sabor correspondente a noventa e dois por cento de rejeição.

 

Até mesmo os deputados federais, quando elegeram o conservador deputado Severino Cavalcanti presidente da Câmara dos Deputados, pareciam movidos pelo mesmo ingrediente que determinou a afastamento do médico Rogério do Big Brother. Diziam que estavam combatendo a prepotência, a arrogância e as panelinhas que alimentavam os comensais do Congresso Nacional. Somente esqueceram de dizer que, diferente dos eleitores brasileiros, também estavam receitando e misturando os amargos temperos da traição, da vingança e do interesse pessoal remuneratório.

 

Não se pode negar, portanto, que as panelinhas estão em baixa no Big Brother e na Câmara dos Deputados, criando um novo jeito de se cozinhar no Brasil. Infelizmente, a falta de comida, qualquer uma delas, continua sendo o gosto agro impregnado na cozinha brasileira. Parece até que a panelinha para que não se tenha comida no Brasil é a única que não é rejeitada pelos governantes brasileiros.

 

* Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
cezarbritto@infonet.com.br

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