Desmembramento de Municípios

Voltou à tona, no estado de Sergipe, o debate que envolve a criação, mediante desembramento, de novos municípios. Isso porque a Deputada Estadual Goretti Reis (DEM) apresentou, na Assembleia Legislativa, indicação de estudos destinados a demonstrar a viabilidade da emancipação da Colônia Treze do município de Lagarto.

 

Boa oportunidade para abordarmos esse tema, na perspectiva jurídica.

 

É verdade que a Constituição Federal admite a possibilidade de que novos municípios venham a ser criados, mediante aprovação da população diretamente interessada, em plebiscito, e lei ordinária estadual:

 

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

(…)

§ 4° A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos estudos de viabilidade municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

 

Essa redação da norma do § 4° do Art. 18 foi conferida pela emenda à constituição n° 15, de 12 de setembro de 1996.

 

Observe-se que ela condiciona a aprovação da instituição de novos municípios a uma série de requisitos, dentre eles a determinação, em lei complementar federal, do período possível para que isso ocorra, bem como a regulamentação, em lei ordinária, da apresentação e publicação dos estudos de viabilidade municipal.

 

Todavia, desde a promulgação da emenda à constituição n° 15 (isso em 12/09/1996) até a presente data, o Congresso Nacional ainda não se desincumbiu do dever que impôs a sim mesmo de elaborar essas duas leis. Até o presente momento, embora por lá tramitem projetos nesse sentido, ainda não foram aprovadas nem a lei complementar disciplinando o período possível de criação de municípios, nem tampouco a lei ordinária disciplinando o que deverão conter e a forma de apresentação e publicação dos estudos de viabilidade municipal.

 

Isso faz com que a norma que admite a criação de novos municípios seja desprovida de sua eficácia jurídica plena, sendo classificada como uma típica norma de eficácia jurídica limitada, ou seja, a produção integral dos seus efeitos jurídicos está condicionada à elaboração dessas leis que a própria norma constitucional reclama.

 

A propósito, assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

 

Emenda Constitucional 15/96. Criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios, nos termos da lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar e após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal. Inexistência da lei complementar exigida pela Constituição Federal. Desmembramento de município com base somente em lei estadual. Impossibilidade (grifou-se) (ADI 2.702, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 5-11-03, Plenário, DJ de 6-2-04).

 

Norma constitucional de eficácia limitada, porque dependente de complementação infraconstitucional, tem, não obstante, em linha de princípio e sempre que possível, a imediata eficácia negativa de revogar as regras preexistentes que sejam contrárias. Município: criação: EC 15/96: plausibilidade da argüição de inconstitucionalidade da criação de municípios desde a sua promulgação e até que lei complementar venha a implementar sua eficácia plena, sem prejuízo, no entanto, da imediata revogação do sistema anterior. É certo que o novo processo de desmembramento de municípios, conforme a EC 15/96, ficou com a sua implementação sujeita à disciplina por lei complementar, pelo menos no que diz com o Estudo de Viabilidade Municipal, que passou a reclamar, e com a forma de sua divulgação anterior ao plebiscito. É imediata, contudo, a eficácia negativa da nova regra constitucional, de modo a impedir – de logo e até que advenha a lei complementar – a instauração e a conclusão de processos de emancipação em curso. Dessa eficácia imediata só se subtraem os processos já concluídos, com a lei de criação de novo Município (grifou-se) (ADI 2.381-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 20-6-01, Plenário, DJ de 14-12-01). No mesmo sentido: ADI 2.967, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-2-04, Plenário, DJ de 19-3-04.

 

 A letargia do Congresso Nacional ficou tão patente que o STF já julgou procedente uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão, assinalando como razoável um prazo de 18 (dezoito) meses, a partir desse julgamento, para que tais leis finalmente fossem aprovadas:

 

Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Inatividade do legislador quanto ao dever de elaborar a lei complementar a que se refere o § 4º do art. 18 da Constituição Federal, na redação dada pela emenda constitucional n. 15/1996. Ação julgada procedente. A Emenda Constitucional n. 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4º, da Constituição. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI n. 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios (grifou-se) (ADI 3.682, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-5-07, Plenário, DJ de 6-9-07)

 

Findo esse prazo de 18 (dezoito) meses, o Congresso Nacional aprovou as exigidas leis? Negativo. Contentou-se em aprovar a emenda à constituição n° 57 (promulgada em 18/12/2008), por meio da qual ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação.

 

Mas e quanto ao futuro? A emenda n° 57 nada dispôs. Ela trata apenas do passado, localizado entre 1996 e 2006. Permanece o quadro de não regulamentação legislativa do § 4° do Art. 18 e, com ele, o quadro de ineficácia jurídica da possibilidade de criação de novos municípios brasileiros.

 

Resumo da ópera: enquanto permanecer a atual redação do § 4° do Art. 18 da Constituição Federal e enquanto o Congresso Nacional não aprovar as já mencionadas leis regulamentadoras, de nada adianta a adoção de iniciativas políticas e legislativas no âmbito dos Estados.

 

Se se quer garantir a plena validade jurídica dos atos voltados à criação de novos municípios, o caminho correto é efetuar legítima pressão política sobre os membros do Congresso Nacional, a fim de que, finalmente, após decorridos quase 14 (catorze) anos, seja devidamente regulamentada a possibilidade de criação de novos municípios brasileiros.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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