Cheguei ao Aeroporto Internacional de Angola com duas horas de antecedência, já precavido com a confusão que presenciei no dia do desembarque. Para minha satisfação, o embarque foi extremamente organizado, atestando o esforço angolano para superar seus graves problemas. A TAP, empresa aérea portuguesa responsável pelo vôo, parecia integrada neste contexto de superação, tanto é assim que decolou pontualmente. E foi exatamente o esforço de recuperação do povo angolano o maior souvenir que trouxe na bagagem e no coração. Fique espantado como o trauma de uma guerra entre irmãos estava sendo superado, assim como me impressionou o volume de obras que estava modificando Luanda, especialmente as necessárias e urgentes obras de infra-estrutura. A lição que passavam era a de que não poderiam perder a histórica chance de desenvolver o seu país, agora que estavam, pela primeira vez, respirando simultaneamente os ares da Independência e da Paz. E enquanto a África desaparecia da minha visão, encoberta pelas nuvens brancas do céu intercontinental, compreendi a principal razão da minha viagem. Definitivamente compreendi que nós, cidadãos do mundo, também não podemos perder esta oportunidade histórica de ajudar, econômica e humanitariamente, a nossa irmã Angola. É que Angola, assim como os demais países africanos, não têm condições de superar seus graves problemas sem a solidariedade internacional, especialmente os povos que usufruíram (e ainda se usufruem), não raro criminosamente, das riquezas ali encontradas. E enquanto a África pousava definitivamente em meu coração, fiquei alegre quando lembrei que a ONU está absolutamente correta quando apela para que todos se engajem nas campanhas e projetos humanitários que visam retirar da miséria aquele continente irmão. É fazer inverso do que estão fazendo os EUA no caso da AIDS que dizima a África, quando insiste em transformar os medicamentos necessários ao seu combate em mera atividade lucrativa. É reconhecer que o Brasil também não pode ficar insensível a este apelo humanitário, mesmo porque temos uma dívida impagável com a África, pois para cá foram trazidos milhões de homens, mulheres e crianças do grave crime contra a humanidade conhecido como escravidão. Reforcei, durante o vôo, a certeza de que estava certo o Governo Lula quando, atendendo o apelo da ONU, perdoou as também impagáveis dívidas dos africanos Gabão, Moçambique, Cabo Verde e, quem sabe, Angola. Confortei o meu ego quando lembrei que, em nome da OAB, assinei um protocolo de intenções com os bastonários de Angola, Moçambique e Cabo Verde, visando contribuir com o aperfeiçoamento do Poder Judiciário dos respectivos países. E agoniei este mesmo ego ao aterrisar no mundo real, pois sabia que a nossa responsabilidade de dirigente e cidadão estava apenas começando, mesmo porque ainda pequena diante da capacidade política da OAB. Da mesma forma que partiu, o avião pousou em Portugal no horário previsto, o que me daria aproximadamente oito horas de espera em Lisboa, antes de embaraçar para o Brasil. Resolvi passear pela cidade, pegando um dos milhares de táxis que pacientemente repousam nos estacionamentos dos aeroportos, sonhando com uma boa corrida compensatória. Desta vez o taxista era um português de nascimento e carteirinha, admirador do ditador Salazar, que governara Portugal por mais de _______. Descobrindo que eu era brasileiro, recém-chegado da África, sentiu-se seguro para comentar que tinha saudade do tempo em que Portugal era uma das maiores potências colononizadoras do planeta. Pouco importava a ele o estado de falência das colônias, tampouco que fora o sistema colonial um dos responsáveis pela crônica miséria africana. O que importava é que naquela época Portugal tinha poder, mesmo que rico em despudor humanitário. Imediatamente me lembrei daqueles que criticaram o perdão das dívidas externas africanas, pois insensíveis… Confesso que voltei ao meu Brasil renovado, disposto a desfazer as malas que arrumei, desmanchei e refiz durante a viagem. Ainda mais agora, que descobri que novos espaços foram abertos no meu pensar, deixando-me em condições para empreender novos rumos. E assim encerrei este diário, mas não as viagens deste andarilho propriaense. * Cezar Britto, é advogado e secretário-Geral da OAB
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