Dissecando o “Pacto Republicano”

Na semana passada, apontamos, com viés crítico, que o pomposo “II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça Mais Acessível, Ágil e Efetivo”, celebrado na segunda-feira (13/04/2009) e tendo como signatários os Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, não passava de um Pacto de Elites de Estado, tendo em vista o total alijamento do povo do processo de discussão e deliberação sobre a agenda de prioridades relacionadas às temáticas do sistema de justiça.

 

Todavia, como bem observado pelos leitores Felipe e Michelangelo, em comentários postados no espaço reservado a tanto pela Infonet, o Pacto de Elites possui algumas indicações bem intencionadas de medidas realmente necessárias à implementação de um sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo.

 

Com efeito, quanto às “matéria prioritárias” tratadas em seu anexo, o item 3, voltado ao “acesso universal à justiça”, apresenta três importantíssimas medidas:

 

“Fortalecimento da Defensoria Pública e dos Mecanismos Destinados a garantir assistência jurídica integral aos mais necessitados” – se se pretende seriamente universalizar o acesso à justiça, é preciso que os poderes responsáveis deixem de tratar a Defensoria Pública como instituição secundária. Aqui neste mesmo espaço da Infonet já abordamos que, infelizmente, a estrutura das defensorias públicas em todo o país é muito ruim, insuficiente para atender a demanda de toda a população que não possui condições financeiras de pagar custas processuais nem honorários de advogado particular. Os defensores públicos não são bem remunerados, não contam com estruturas mínimas para desenvolver o seu ofício, utilizam-se de equipamentos pessoais como instrumento de trabalho, praticamente não contam com servidores que possam auxiliar a contento o desempenho de suas tarefas. Mais ainda, são em número insuficiente para contemplar todo o país, de forma que em diversos municípios simplesmente não há defensores públicos que possam prestar satisfatoriamente um serviço de assistência jurídica gratuita à população. É preciso compreender a Defensoria Pública como “instrumento de efetivação dos direitos humanos”, na linguagem do Supremo Tribunal Federal, e compreender a extrema relevância do trabalho social que a instituição desenvolve, incluindo a sua valorização e estruturação como política pública prioritária imposta pela Constituição Federal. Do contrário, o acesso à justiça continuará sendo, na prática, direito de poucos, garantido efetivamente apenas aos que possuem poder sócio-econômico mais avantajado, inadmissível exclusão social que avilta a igualdade material e a dignidade da pessoa humana.[1]

 

“Revisão da Lei da Ação Civil Pública, de forma a instituir um Sistema Único Coletivo que priorize e discipline a ação coletiva para tutela de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, objetivando a racionalização do processo e julgamento dos conflitos de massa” – Embora a Constituição Federal já tenha completado vinte anos, ainda falta muito para que toda a mudança de paradigmas jurídicos que a mesma proporcionou seja incorporada à legislação infraconstitucional e ao cotidiano dos aplicadores do direito. Não obstante todo o novo arcabouço normativo-constitucional, o ordenamento jurídico infraconstitucional ainda é permeado de disposições que privilegiam excessivamente a proteção e a garantia dos direitos individuais-patrimonialistas, na linha de manutenção do status quo dominante e não na perspectiva da transformação dessa realidade cruel e opressora. E, apesar de o ordenamento jurídico infraconstitucional só ter validade quando compatível com o ordenamento jurídico constitucional, muitos aplicadores do Direito permanecem apegados ao modelo jurídico liberal-patrimonialista, recusando-se a recusar aplicabilidade aos dispositivos jurídicos incompatíveis com os novos valores constitucionais. Daí que, apesar da existência de legislação infraconstitucional voltada à regulamentação dos instrumentos processuais garantidores dos direitos transindividuais, é imperiosa a revisão dessa legislação, a fim de aperfeiçoá-la e sistematizá-la. Na feliz expressão de Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior,

 

“A proposta de Código de Processos Coletivos deve, portanto, viabilizar a harmonização do microssistema da tutela coletiva representando ele um diploma catalizador dos diversos procedimentos assim como hoje procura exercer esta função o CDC, que assumiu este compromisso sem ter sido para tanto vocacionado.

Os valores metodológicos da socialidade, eticidade e operabilidade – naturais ao novo Código Civil – devem também estar presentes na proposta de Código de Processos Coletivos justamente porque traduzem as preocupações com a aplicação do ‘bom direito’, para além dos interesses meramente individuais, econômicos ou acadêmicos.”.[2]

 

“Instituição dos Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados e do

Distrito Federal, com competência para processar, conciliar e julgar causas cíveis, de pequeno valor, de interesse dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” – Excelente proposta. Atualmente, os processos que envolvem interesse da Fazenda Pública dos Estados ou dos Municípios estão excluídos da competência dos Juizados Especiais (Art. 3°, § 2º da Lei nº 9.099/95), ainda que seja pequeno o valor da causa. Como o rito dos Juizados Especiais é, em tese, mais célere, é urgente incluir as demandas do cidadão em face do Estado nas competências dos Juizados Especiais. Todavia, quando se trata de demandas do cidadão em face do Poder Público, o Pacto que tem efetividade é o pacto federativo de governadores e prefeito, com aval da União e complacência do Senado Federal, traduzido na aprovação, pelos Senadores, da Proposta de Emenda à Constituição n° 12/2006, que permite ao ente público prorrogar o pagamento dos débitos de precatórios pendentes em até quinze anos![3]

 

Oportunamente, ao longo das próximas colunas, abordaremos outros tópicos desse “Pacto Republicano”.


[1] https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=69704&titulo=mauriciomonteiro

[2]  DIDIER JÚNIOR, Fredie e ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. Salvador: Edições JusPodivm, 2007, p. 71.

[3] Os nefastos efeitos da aprovação, pelo Senado Federal, da PEC n° 12/2006 foram objeto de comentário neste espaço em 08.04.2009

(https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=84414&titulo=mauriciomonteiro).

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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