Expulsão e deportação de estrangeiros: o caso Glenn Greenwald

No contexto de uma escalada intensa de declarações estapafúrdias e absurdas do Presidente da República Jair Bolsonaro com ofensas graves a instituições, à democracia, ao direito à memória e à verdade histórica, aos direitos humanos de um modo geral, à liberdade de imprensa e expressão, foi editada pelo Ministro da Justiça, Sérgio Moro, a Portaria nº 666, de 25/07/2019, que “Dispõe sobre o impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal.”.

Essa iniciativa foi interpretada com preocupação de que o Governo estaria preparando forte retaliação contra as reportagens (“VazaJato”, que já comentamos no texto “#VazaJato e o Direito” ) do portal “The Intercept Brasil” (posteriormente em parceria com o jornal Folha de São Paulo e a revista Veja) com vistas à deportação ou expulsão do seu editor-chefe, o jornalista norte-americano residente no Brasil há mais de quinze anos, Glenn Greenwald.

Trata-se de excelente oportunidade para abordarmos, aqui, na perspectiva constitucional, a temática da relação do Estado Brasileiro com estrangeiros, especialmente as categorias da extradição, deportação e expulsão.

Extradição é a entrega de estrangeiro que se encontra – regularmente – em nosso território a outro país, a seu pedido, tendo em vista responder a processo lá instaurado ou cumprir pena já imposta pelo país requerente.

Deportação é a retirada compulsória de estrangeiro que se encontra em situação irregular no país, normalmente encaminhado ao país de que é nacional ou a outro país que o aceite receber.

Expulsão é a retirada forçada de estrangeiro que se encontra em situação regular no país por prática de atos considerados ofensivos e atentatórios ao interesse nacional.

Assim, se o Governo pretendesse levar adiante uma retaliação ao Gleen Greenwald que implicasse em sua saída forçada do Brasil, tendo em vista que não há qualquer pedido de extradição formulado por outro país, e ainda levando em consideração que se encontra regularmente no Brasil há mais de quinze anos – sendo inclusive casado e com filhos – a única forma seria a da expulsão.

Ocorre que, para tanto, seria necessário apontar, em processo administrativo regular, a prática de atos considerados ofensivos ao interesse nacional (ou condenação transitada em julgado por crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, ou por crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional, inexistentes no caso) sendo certo que, ao contrário, as reportagens da “VazaJato”, para além de não revelarem qualquer atentado ao interesse nacional e à nossa soberania, estão constitucionalmente escoradas na liberdade de informação e especialmente na garantia constitucional do sigilo da fonte, como tivemos a oportunidade de comentar no texto “#VazaJato e a Liberdade de Informação”

Além disso, a matéria é regulada na Lei de Migração (Lei nº 13.445, de 24/05/2017), que prevê claramente a impossibilidade de expulsão de estrangeiro que possua cônjuge ou companheiro residente no Brasil ou que tenha filho brasileiro:

 

“Art. 55. Não se procederá à expulsão quando:

[…]

II – o expulsando:

a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela;

b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente;

[…]” (grifou-se).

 

 

Essa garantia legal é expressão do reconhecimento da especial proteção constitucional à família (Art. 226) e da absoluta prioridade constitucional aos direitos das crianças à convivência familiar e comunitária (Art. 227).

Vale lembrar ainda que, como regra geral, os direitos fundamentais que são assegurados aos brasileiros são também assegurados aos estrangeiros residentes no país – nos termos do Art. 5º – notadamente aqueles intimamente conectados com a dignidade da pessoa humana, fundamento da República (Art. 1º, inciso III).

Ciente de tudo isso, quando questionado, o Presidente da República Jair Bolsonaro afirmou que a Portaria nº 666/2019 do Ministério da Justiça não teria como se aplicar ao Glenn Greenwald, porque ele é casado e tem filhos, mas que ele seria preso aqui mesmo no Brasil … e o Porta-Voz da Presidência da República, indagado, não conseguiu responder qual teria sido o crime praticado pelo jornalista …

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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