Extermínio de Animais não é solução – Parte III

5 – INCONGRUÊNCIA LÓGICA

Não bastassem os argumentos expostos nos artigos anteriores, vê-se que, em Aracaju, antes da decisão judicial que proibiu sacrifícios desmotivados de animais capturados pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) em ação civil pública ajuizada pela Ministério Público Estadual, esta política de sacrifícios criticada era ineficiente, vez que, os animais eram capturados pelo CCZ apenas a pedido de populares, ou seja, não havia captura ativa e sistemática dos animais, conforme recomenda a política de sacrifícios constante do manual de vigilância epidemiológica da FUNASA/MS.
De acordo com as estatísticas juntadas pelo município ao inquérito civil instaurado, denota-se que dos 1020 animais (gatos e cachorros) sacrificados em 2005, 93,83% foram entregues à CCZ pelos próprios donos e apenas 6,17% foram capturados na rua por solicitação de populares. 
Esta estatística, embora alarmante do ponto de vista da quantidade de animais que tiveram suas vidas sacrificadas, é insignificante em relação ao número da população canina errante estimada no município pelo CCZ (mais de 40000) representando os números acima que eram capturados e sacrificados apenas 2,5% dos cães de rua, o que demonstra mais ainda a ineficiência deste método e o desatendimento aos procedimentos de saúde pública citados pelo município de Aracaju como fundamento para o sacrifício dos animais que chegam ao CCZ.
Mais grave ainda: observa-se que dos animais sacrificados em 2005 pelo CCZ, 145 foram submetidos, após sua morte, a exame para comprovação de raiva, sendo que todos os resultados foram negativos.
Ora, se a política municipal de zoonoses parte do argumento de que a captura e eliminação de 20% da população canina errante ou não-vacinada é ação indispensável para o controle da raiva, por que o município de Aracaju estava se conformando apenas em sacrificar os animais capturados a pedido ou aqueles entregues por seus donos aquele órgão, deixando de capturar e sacrificar cerca de 8000 animais sem comprovação vacinal, no período relatado no inquérito civil referido?
Vale ressaltar que todas as políticas alternativas de combate à raiva (esterilização, campanhas de posse responsável, vacinação em massa) também são citadas no guia de vigilância epidemiológica da FUNASA como ações para o combate da referida zoonose, mais o Município de Aracaju, em vez de dar tal enfoque a estas medidas, preferiu optar pela eliminação sistemática dos animais, inclusive os sadios, como política pública de saúde.

6 – DA CORRETA INTERPRETAÇÃO DA QUESTÃO

Dentro da análise sistemática da norma, o primeiro ponto de partida deve ser sempre a Constituição e o desta, na constituição anterior, até que seja alcançada a norma hipotética fundamental.  Assim, há um escalonamento normativo, estando a Constituição no topo da pirâmide como fundamento de validação de todo o ordenamento jurídico, devendo ser todas as normas inferiores compatíveis com a norma maior sob pena não valerem.
Quando uma norma admitir interpretações constitucionais e inconstitucionais, cabe ao intérprete, ao determinar o alcance e sentido da norma, buscar o resultado que preserve a compatibilidade da norma com a Carta Magna.
Assim, pode se concluir que o artigo 127, da Lei Municipal 1968/93, somente poderá ser considerado constitucional se interpretado no sentido de que os animais capturados serão sacrificados apenas se forem portadores de doenças incuráveis e letais, dando-se assim o verdadeiro significado da expressão “eutanásia”, sob pena da Lei Municipal, ao ser interpretada como norma permissiva da eliminação sistemática de animais sadios ou com doenças curáveis, como vem sendo realizado pelo CCZ, violar frontalmente a Constituição Federal.

7 – CONCLUSÕES

A política de extermínio de 20% da população canina como método de controle de raiva é ultrapassada e inconstitucional porque: a) existem alternativas viáveis e atuais, recomendadas inclusive pela Organização Mundial de Saúde, Organização Panamericana de Saúde e Instituto Pasteur; b) O critério é ineficiente, em face da sobreposição da taxa de renovação da população canina, o que acarreta o aumento da possibilidade de ocorrência da doença.
Apenas quando forem realizadas campanhas maciças para o controle da natalidade, através da esterilização cirúrgica, método que, além de respeitar a proteção constitucional à fauna, implementa o princípio constitucional da eficiência em sua plenitude, é que a política pública de saúde estará efetivamente em consonância com a Constituição Federal, combatendo assim, a proliferação de raiva e outras zoonoses na população canina e felina, conforme prevê o projeto de Lei 1376-C/2003 já referido.
A política de saúde pública recomendada pelo guia de vigilância epidemiológica da FUNASA não estava sendo seguida rigorosamente pelo município de Aracaju no combate à raiva, servindo apenas como falso argumento para o sacrifício dos animais que chegam ao Centro de Controle de Zoonoses.
Deve ser dada a correta interpretação constitucional ao artigo 127, da Lei Municipal 1968/93, no sentido de que somente será permitida a eutanásia dos animais capturados pelo CCZ, em casos comprovados previamente de doenças incuráveis e letais, sobe pena de violação à Constituição Federal.

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* Os argumentos apresentados neste e nos artigos anteriores sobre o tema foram utilizados em ação civil ajuizada pelo Ministério Público Estadual contra o município de Aracaju, levando a uma sentença, confirmada posteriormente pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, reconhecendo a inconstitucionalidade de tal procedimento de sacrifício adotado pelo poder público e condenando-o a apenas praticar eutanásia de animais capturados com doenças incuráveis, son pena de multa.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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