Reflexão comparada sobre a Guerra Fria no cinema de ficção cientifica

Ailton Silva dos Santos

Mestre em História (PROHIS/UFS)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

E-mail: ailton@getempo.org

Fonte: https://noticiasconcursos.com.br/5-filmes-para-entender-a-guerra-fria-confira/

 

A Guerra Fria foi um conflito que se desenrolou em várias frentes, indo desde a dicotomia do modelo econômico, passando pela intimidação bélica e a busca pela conquista do espaço. Nesse interim, a angústia existencial foi potencializada pelo fantasma de um possível holocausto nucelar e isso fez com que a ficção cientifica, sobretudo o subgênero opera espacial, ganhasse ainda mais folego e entrasse em notória ascensão.

Para além da dualidade ideológica, a corrida espacial ajudou a fomentar o imaginário da ficção, que havia se consolidado na sociedade a partir da chamada Era de Ouro da Ficção Cientifica (1930 – 1940). Entre o início dos anos 1960 e a década de 1970, com o predomínio da chamada Era New Wave, nome tomado de empréstimo ao movimento do cinema francês Nouvelle Vague, houve a busca por maior sensibilidade artística e o desenvolvimento da chamada categoria Soft (leve), cujas temáticas e tramas são focadas no inter-relacionamento humano, escolhas e crises pessoais.

Entrementes, além da chegada do Projeto Apollo à Lua, um destaque para consolidação desse imaginário foi o filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, cuja síntese podemos definir como o sonho de alcançar as estrelas através da primazia tecnológica, chegando na Lua de Júpiter, como o foi chegar à Lua da Terra.

Em contrapartida, o diretor soviético Andrei Tarkovski defendia que a ficção cientifica seria pura manipulação comercial e não deveria ser considerada arte. Ele não havia assistido ao filme americano quando fez Solaris e, quando o viu, o achou “frio e estéril”; no entanto, a sua adaptação do livro homônimo do escritor polonês Stanislaw Lem chegou a ser considerado o Anti-2001 ou a resposta soviética.

Um ponto em comum entre as películas é que ambas são composições frias e lentas. Contudo, enquanto os personagens de Tarkovski experimentam emoções intensas envoltos em um ambiente contemplativo, os de Kubrick são plácidos, mesmo em meio à ameaça imposta pelo ambiente.

Os filmes foram utilizados como armas de propaganda ao longo da Segunda Guerra Mundial, e não seria diferente durante o conflito ideológico que a sucedeu. Entrementes, se os EUA ganharam a corrida espacial, ao conseguirem colocar o primeiro homem na Lua, a URSS abalou a ficção cientifica que era utilizada como uma ferramenta de legitimação da precedência Norte Americana na disputa. Solaris imprimiu um desafio ao gênero ao criticar a perspectiva imposta se caracterizando como uma resposta ao expor que “Não temos necessidade de outros mundos. Precisamos de espelhos”.

Poucos anos depois, com o filme Stalker (1979), Tarkovski manifestava, através da fala do personagem nomeado como Escritor, que “Não há telepatas, nem fantasmas, nem discos voadores… nada disso existe, a não ser a lei de ferro fundido”

As citações acima ajudam a descontruir a ideia por trás da invenção da Ficção Cientifica, que é uma concepção ocidental, e criticam a narrativa impulsionada por ela, que corroborou com a corrida vigente durante a Guerra Fria; pois, Solaris é um filme longo e lento, que possui diálogos entrecortados de maneira abrupta. Não possui uma narrativa que busca o heroico; como 2001, que reconstrói o desenvolvimento do gênero humano que vai desde o hominídeo, que consegue manipular um objeto e fazê-lo de ferramenta, até a presença de naves espaciais gigantescas onde o homo sapiens interage com uma tecnologia imaginada para o futuro.

Tais produções, patrocinadas ou não pelo Estado, apresentam uma representação focal do que foi desenvolvido na época e nos possibilitam analisar um aspecto cultural da Guerra Fria nessa frente de batalha ideológica que foi travada através da Sétima Arte. Entrementes, sobre viagem espacial, lá em cima, descobrimos que estamos sozinhos com os problemas que criamos, pois, no espaço, não há um propósito; a verdadeira viagem é um mergulho interior nas escolhas e atitudes.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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