João Mello – a voz máxima de Sergipe

Cantando Sambou, sambou, com o autor

Foi uma noite impossível de esquecer. A espera ia ficando cada vez mais ansiosa, porque os convidados não chegavam. Sentado na varanda, Antônio Garcia Filho, meu sogro, folheava uma revista qualquer e a primeira cerveja foi aberta. Ele, no entanto, preferia uma dose de uísque com gelo e um pouco de água, para diluir o teor alcoólico. Menos volume, dizia ele, para não atrapalhar o sono em visitas ao banheiro. Estava certo, mas mesmo assim eu preferia a cerveja, achava mais adequado ao nosso clima. Finalmente, a companhia tocou, Cristina foi atender e João Alberto e Lenora chegaram acompanhados de João Mello. Surpreso ao avistar Garcia (não imaginava sua presença ali) abriu o sorriso e foi correspondido. E lembrou logo de “Najara”, poema de José Sampaio que Garcia musicou e que ele cantava com frequência nas serestas e nos programas de rádio na década de 40.

Najara foi só o começo…a noite se estendeu com mais música e boa prosa, lembranças de Aracaju de outrora, com o violão de João Alberto iluminando os nossos corações. Depois de umas e outras, muitos anos depois, restabelecia-se ali, naquela varanda, uma convivência comum nos anos passados – Garcia, Sampaio e João – unidos que eram pelos pequenos vícios que os aproximavam, naqueles tempos de então: fumar, beber cerveja, jogar bilhar, amar as mulheres e fazer serenatas.

O autor de Nós Acendemos as Nossas Estrelas partiu muito cedo, ainda na década de 50. Ele era casado com  tia Jaci, irmã de papai.  João Mello, cantor máximo de Sergipe, foi pra Salvador e depois para o Rio de Janeiro, destacando-se na vida cultural e musical das duas cidades e  Garcia, médico humanista clinico que superava a propedêutiva, manteve o seu “pensamento na praça”, até falecer em 1999. João foi mais longe. O quero dizer é que os três deixaram um grande legado, na medicina, na música e na poesia. Na ciência e na cultura, enfim, nas Humanidades!

Essa noite mágica, que entrou pela madrugada com música e poesia, marcou profundamente a minha vida e deu inicio ao meu caminhar de admiração a João Mello, músico, poeta, ator, principalmente cantor, que encantou a muitos com a sua arte, valorizando sobremodo as coisas de Sergipe e em especial, de Aracaju, cujo povo lhe deu cidadania plena. Baiano de Sete Portas, morou em Boquim com seus pais, depois Aracaju, a partir de 1936, quando passou a frequentar as rodas boêmias da cidade, convivendo com escritores e poetas, ocupando os microfones das rádios, cantando as belezas da capital, como em “Pescador da Praia Formosa” e do estado, com “Sergipinho” Ah, saudade, saudade do meu Sergipinho, tão pequeninho, mas tão bonitinho, que dá gosto a gente ver…

Mas Salvador estava nos seus planos. Na Boa Terra, integrou o elenco da Rádio Excelsior e da Rádio Sociedade da Bahia. Foi crooner da Orquestra de Napoleão Tavares e seus Soldados Musicais. Com Pinduca e Codó, cantou nas boates Oceania, Monte Carlo e outras. Quando o Hotel da Bahia começou a se impor na vida turística da cidade, brilhou na boate Xangô.

João Mello no auge da carreira.

Já casado com Lygia e com uma filha pequena, Lenora, seguem de navio para o Rio de Janeiro, então capital federal, que vivia na efervescência dos novos ritmos e espaços musicais, os programas radiofônicos, a chegada das grandes gravadoras e os festivais da canção. Suas composições passaram a ser percebidas e solicitadas pelos cantores da época. Com sua extraordinária percepção musical e alma sensível de artista, passou a descobrir talentos, nas gravadoras em que trabalhou: Sinter, Phillips e Som Livre. Talentos como Jorge Benjor, Djavan e Bete Carvalho, entre outros, foram lançados por João Mello. Sem esquecer suas raízes, fez parcerias, com João Donato, Sérgio Porto e Baden Powell e interpretou músicas de ícones da Musica Popular Brasileira.

No seu regresso definitivo a Aracaju, aposentado da Som Livre, João Mello continuou a sua produção musical, porque músico não se aposenta, dizia ele, e faz mais parcerias, com jovens talentos, como Ismar Barreto, Pantera, João Alberto (que viria a ser o seu genro e herdeiro no violão). Gravou mais um CD – Coração só faz bater, pela Som Livre, nas comemorações dos seus 80 anos, participou de programas de entrevistas com um estilo inconfundível, no programa Videoteca Aperipê Memória, deixando para a posteridade um rico acervo de depoimentos de dezenas de personalidades sergipanas, entre as quais, seguramente, ele definitivamente está incluído, como músico, compositor, produtor e  cantor, integrante do elenco que iniciou a história do Rádio em Sergipe. Muito mais teríamos a contar, no ano do seu Centenário de Nascimento. Mas como disse Alencar Filho, um de seus diletos amigos, falecido neste ano pandêmico, João Mello ou simplesmente o cidadão João Ventura é grande demais para caber num simples depoimento, arrematando: João Mello é João Mello…e fim de papo!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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