Magistratura e Magistério

Reportagem da revista “Carta Capital” da semana passada trouxe à tona processo judicial envolvendo litígio entre Inocêncio Mártires Coelho e Gilmar Mendes, em torno do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público, que oferta, no mercado, cursos jurídicos de alta qualificação e especialização.

O fato, a envolver um Ministro do Supremo Tribunal Federal – e, portanto, juiz, magistrado – demanda reflexões acerca do regime jurídico-constitucional da magistratura.

Isso porque a garantia de um Poder Judiciário independente é essencial à mais perfeita configuração de um Estado Democrático de Direito. Há quem aponte, com consistência, que mais importante do que o catálogo de direitos fundamentais previsto no ordenamento jurídico é a garantia da acessibilidade e efetividade da prestação jurisdicional assecuratória desses direitos fundamentais.

É exatamente por isso que, no Brasil, o Poder Judiciário é estruturado com garantias objetivas de independência (autonomia administrativa e financeira e autonomia para elaboração de sua proposta orçamentária), bem como prerrogativas dos magistrados, enquanto tais (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios), que lhes asseguram plenas condições objetivas de insuscetibilidades a qualquer tipo de pressão ou ingerência para que julguem de uma ou outra forma os casos sob sua apreciação.

Com efeito, a sociedade é a detentora dessas prerrogativas: um Poder Judiciário independente é a sua garantia contra toda sorte de abuso de poder e contra violação de direitos. A cidadania confia que as decisões judiciais – porque decorrem de um Poder Judiciário independente, com juízes imunes a pressões externas (pois detentores daquelas prerrogativas) – resultam de livre convicção interpretativa do magistrado ante as circunstâncias do caso e o direito posto.

O outro lado dessa necessária garantia de independência dos magistrados é a proibição de que pratiquem certos atos ou condutas que, de algum modo, possam transparecer à sociedade uma espécie de vinculação com interesses outros que não o interesse público e que, de algum modo, comprometam a isenção dos seus julgamentos ou de sua atuação.

Nessa direção, os magistrados estão proibidos de: exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; receber, a qualquer título, custas ou participação em processo; dedicar-se à atividade político-partidária; receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo ou aposentadoria ou exoneração (Art. 95, parágrafo único da Constituição da República).

Sobre as vedações constitucionais impostas à magistratura, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de assentar que “(…) objetivam, de um lado, proteger o próprio Poder Judiciário, de modo que seus integrantes sejam dotados de condições de total independência e, de outra parte, garantir que os juízes dediquem-se, integralmente, às funções inerentes ao cargo, proibindo que a dispersão com outras atividades deixe em menor valia e cuidado o desempenho da atividade jurisdicional, que é função essencial do Estado e direito fundamental do jurisdicionado” (MS 25.938, Rel. Min. Cármen Lúcia).

Sobre a específica vedação ao exercício de outro cargo ou função, salvo uma de magistério, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n° 34/2007, que regulamenta a possibilidade de exercício, por magistrados, de funções de magistério, desde que haja compatibilidade de horários entre o expediente forense e as atividades acadêmicas, admitidas como funções de magistério, além da docência, atividades de coordenação, planejamento e assessoramento pedagógico, no que, aliás, reproduz disposição normativa da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/96) sobre o catálogo de funções assim entendidas “de magistério”.

Observe-se, portanto, que em nome do que a doutrina denomina de “garantias de imparcialidade” dos magistrados, a única função que podem exercer, para além da magistratura, e desde que haja compatibilidade de horários, é função de magistério, não se compreendendo, aí, funções empresariais, ainda que relacionadas ao ensino (admitido pela Constituição como livre à iniciativa privada).

Noutras palavras: magistratura apenas combina com magistério. É bom para o Poder Judiciário e para a sociedade, porque magistrados que se dedicam ao magistério estão em constante reciclagem e atualização, que reverte em mais qualificada prestação jurisdicional; e é bom para a formação dos futuros bacharéis em direito, que terão, em sua formação, contato com professores que, além de suas qualificações acadêmicas, apresentarão um pouco de suas visões e experiências práticas adquiridas a partir do exercício da magistratura.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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