O decadente futebol sergipano

Quem gosta de futebol e hoje tem pelo menos 40 anos deve recordar com saudade — e uma ponta de frustração — dos bons tempos em que os times sergipanos disputavam torneios importantes e jogavam de igual para igual com os grandes clubes nacionais. Dava gosto encher o Batistão para ver o Sergipe de Ailton e Zé Pequeno — e, depois, de Henágio —, ver o Confiança de Joãozinho da Mangueira, Samuca e Luiz Carlos Bossa Nova, ou o Itabaiana de Horácio e Gustinho encarando o São Paulo, o Fluminense, o Sport do Recife…

Naquele tempo, o Campeonato Brasileiro era um balaio imenso, que comportava clubes de todos os Estados, o que favorecia as três principais agremiações sergipanas. Havia também cartolas mais competentes, que motivavam os atletas a quererem sempre mais. Muitos acabaram se destacando no cenário esportivo nacional. Mas a fórmula da disputa mudou, os clubes sergipanos foram reduzidos a brigarem pelo acesso à terceira divisão e os dirigentes…

Quem melhor simboliza essa figura retrógrada é o imperecível Antônio Soares da Mota, o Motinha, que comanda o Sergipe com mãos de ferro desde o dia 7 de abril de 1980. Ele vai ficar pelo menos 29 anos à frente do “mais querido”, pois seu atual mandato expira no dia 7 de fevereiro de 2009. O poder no clube sempre foi muito centralizado. O Conselho Deliberativo é pequeno e quase sempre não se reúne. Apoiado incondicionalmente por Ary Resende, Motinha já avisou até que já pensa em uma nova reeleição.

O Confiança é mais “democrático”. O problema é que, às vezes, democrático demais.
Lá, todo mundo quer mandar e por isso o clube sofreu muito com o entra e sai de presidentes. Milton Dantas, o Miltinho, estabilizou-se no cargo e é o comandante desde janeiro de 2005. Seu mandato termina no dia 17 de janeiro de 2008. Mas, certamente, ficará mais tempo. Nesta segunda-feira, por exemplo, tem eleição no clube e Miltinho tem como adversário Nilo Metalúrgico (lembram dele?), de quem vai ganhar fácil.

Na Federação Sergipana de Futebol, o caso se assemelha ao de Motinha. Todo mundo reclama, mas na hora H ninguém enfrenta José Carivaldo de Souza, presidente desde 1990. O quinto mandato vence em fevereiro, mas já está definido que permanece até 2011, pois foi reeleito recentemente para o sexto mandato. Foi candidato único. E assim vai ficando para garantir um votinho a mais e ajudar Ricardo Teixeira a manter-se presidente da CBF, onde está desde 1989 — enquanto este o ajuda a eternizar-se na FSF. Uma mão lava a outra.

E você pensa que, em 2011, a coisa pode mudar? Então, que ninguém se surpreenda. Carivaldo prepara o filho, Ricardo, para ser seu sucessor. Ricardo, que é hoje secretário-adjunto da Secretaria de Estado do Esporte e Lazer, participa de todas as reuniões importantes na FSF. Ele vai ser candidato no próximo ano a prefeito de Macambira e, se tudo der certo, vai seguir os passos do pai. A novela, portanto, não deve terminar tão cedo. O curioso é que nenhum clube votaria em Carivaldo por ele ser bonzinho. Afinal, ele não é. Então, o que rola nos bastidores? Dinheiro? Poder? Um repórter não domesticado perguntou o que ele fez pelo futebol sergipano. Resposta de Carivaldo: “Reorganizei a Federação, que hoje é respeitada em todo o Brasil”. Então, tá…

NA RABEIRA DO RANKING — Enquanto isso, o futebol sergipano vai afundando. Os principais clubes estão sem fazer nada neste momento, mas Nacional de Patos (PB), Barras (PI) e Crac (GO) estão entre os oito que ainda brigam pelas quatro vagas que dão acesso à Série B — a segunda divisão do futebol nacional. A última presença sergipana na Série B data de 2001. Na época, o Sergipe acabou beneficiado por uma decisão da CBF e subiu de divisão pela janela. É que, em 2000, o Brasileiro (que se chamava Copa João Havelange e era organizada pelo Clube dos 13) acabou em confusão. A CBF, para reorganizar tudo no ano posterior, promoveu umas subidas e descidas estranhas, sempre com motivações políticas. Mas o time sergipano não aproveitou a oportunidade e, no mesmo ano, acabou sendo rebaixado após disputar uma repescagem.

O clube sergipano mais bem colocado no ranking 2006 da CBF era o Sergipe, na 68ª posição (o Confiança aparecia em 81º e o Itabaiana em 99º), atrás de equipes inexpressivas, como Catuense (BA), Botafogo (PB), Moto Clube (MA) e Central (PE). Os nossos vizinhos alagoanos CRB e CSA apareciam nas 37ª e 43ª posições. No ranking por Estado, Sergipe é o 20º. Alagoas é o 12º e o Rio Grande do Norte, 13º.

O futebol é um negócio que cada vez mais mexe com grandes interesses no mundo inteiro e dá muito dinheiro, inclusive no Brasil, onde ainda são raros os casos de boa administração. Mas por aqui, a coisa não é nem tratada como um negócio. O amadorismo é a regra. Nenhum dirigente entende de futebol como business (aliás, 99% não passou por um banco de faculdade). No máximo, eles são apaixonados pelos seus clubes. Não sabem o que é marketing e administração. Desconhecem como planejar um projeto de viabilidade econômica do clube e de uma competição. Fazem tudo na base do coração e de interesses pessoais, como ser eleito para um cargo público, por exemplo.

O sonho máximo, por enquanto, é a volta à Série B. E quem pode estar mais próximo dessa realidade é o Sergipe. Graças ao apoio da Unimed desde o segundo trimestre, o clube tem esperança de retornar à Segundona. A parceira iniciou um planejamento visando esse resultado em três ou quatro anos. O Sergipe parece que resolveu cuidar das categorias de base e negocia cuidar também do time profissional. Só este ano já investiu R$ 400 mil na recuperação do gramado do estádio João Hora e outras melhorias. O Confiança tenta algo semelhante. Negocia com a rival da Unimed, a Plamed. Nada mal para duas equipes cuja saúde financeira vai mal.

Mas têm que investir no elenco. Agora mesmo, já que não tinham nada mesmo para fazer, os atletas do Sergipe e do Confiança foram emprestados a dois clubes da segunda divisão local. O River, que tinha a base do Sergipe e o técnico Ribeiro Neto, campeão da primeira divisão com o América de Propriá, e o Canindé, que tinha a base do Confiança. Resultado: os reforços não ajudaram e os dois times continuarão na segunda divisão. Constatação: os jogadores do Sergipe e do Confiança não conseguem passar da segunda divisão do futebol estadual.

E assim a desgraça do futebol sergipano tornou-se um ciclo vicioso, onde só ganham os dirigentes — apesar de Motinha viver dizendo que é um abnegado que bota dinheiro do próprio bolso no clube. Além de administrarem interesses próprios, os dirigentes não são profissionalmente preparados para administrar o negócio do futebol. Então montam times medíocres, pagando pessimamente aos jogadores. Sem bons times e sem estrelas em campo, os torcedores não comparecem aos estádios. Sem retorno de público, as empresas não investem em patrocínio. É preciso repensar tudo isso. A evolução decrescente da freqüência de público e da renda do Campeonato Sergipano é o retrato desse triste espetáculo.

Campeonato Sergipano de Futebol

Ano

Público

Renda (R$)

2004

94.464

317.501,50

2005

167.805

665.901,50

2006

141.991

592.707,50

2007

103.959

470.168,00

Fonte: FSF

 

Com a colaboração precisa do jornalista Fábio Carneiro.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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