O DEZEMBRO DE TODOS NÓS

Minha sobrinha Michele, nascida no dia 27 de dezembro, sempre reclamou de sua dificuldade em ser brindada com uma grande festa de aniversário, pois sofria a concorrência desleal das festas do final do ano. Quando criança, a bronca maior era porque somente ganhava apenas um presente tipo dois-em-um, aquele que tinha duas finalidades, vez que valia para o Natal e o aniversário simultaneamente. É claro que a sua agonia era objeto de deleite dos demais guris, que dela zombava porque também ganhavam um presente na mesma data.

Hoje, mais crescida, o lamento já não é material, a sua dificuldade decorre de encontrar uma agenda comum que possibilite o comparecimento de seus convidados. E não é pequena a sua tarefa, pois as festas de confraternização e os amigos secretos são as coqueluches do momento, contagiando a todos na medida em que o Natal se aproxima. Colegas de trabalho, familiares, amigos, vizinhos, estudantes, clubes, parceiros, e centenas de outros viventes não perdem a oportunidade para se encontrar, comemorar, “bebericar”, trocar presentes e renovar votos de carinho, consideração, paz e sucesso.

Não acaba aí a concorrência, dezembro também é o mês em que a celeridade humana se torna acentuada, nos fazendo limpar os entulhos que calmamente dormiam em nossas gavetas, como se a mudança do ano nos obrigasse a zerar os problemas da vida. Além disso, é o período em que começamos a zarpar na desesperada busca de um lugar para gozarmos as merecidas férias, motivando-nos a recarregar as baterias desgastadas pela labuta e stress escolar. Salvo para os lares que têm filhos participando da maratona torturante conhecida como vestibular, pois estes continuam vivendo o mesmo ritmo agonizante de todo ano.

Mas não só os aniversariantes de dezembro e vestibulandos olham de soslaio para as festas natalinas, uma outra turma se recusa a delas participar ativamente. São vários os integrantes dessa galera que se isola no Natal, assim como são inúmeros os motivos alegados para que se tornem ermitãos de final de ano. Advirto, por experiência, que é extremamente desconfortável tentar convencê-los a participar de uma festa ou de um amigo secreto, pois a recusa mal-humorada será sempre a mais constante das respostas.

Aliás, eles acreditam piamente no primor do argumento utilizado, geralmente fundado em uma razão “moralmente” inquestionável, destituída, inclusive, do vício da pessoalidade. É que, segundo dizem, não nasceram com o atributo da falsidade, o que ocorreria se, de uma hora para outra, esquecessem das brigas e das deslealdades cometidas durante todo o ano. Arrematam eles, com magistral seriedade filosófica: – Se o ano todo foi de briga ou distanciamento entre nós, por que, repentinamente, comemorar o que não existe?

Infelizmente, não são poucos os nossos amigos e conhecidos que se enquadram nesse perfil de “coerência argumentativa”, embora paradoxalmente nunca admitam que tenham parcela de responsabilidade na apontada hostilidade. Adianto que não perco o humor diante desse tipo de comportamento irascível, não obstante ficar triste quando percebo que os adeptos da exclusão ganharam mais um defensor. Confesso, porém, que fico na torcida para que voluntariamente mudem e percebam, ainda que superficialmente, a importância de um único dia dedicado à confraternização, até porque não têm o que perder.

Afinal, o que realmente perdemos em uma festa de confraternização, ainda mais quando aproveitando que o astral coletivo está em alta cotação? Que prejuízo poderemos ter no ato de olhar o mundo de forma diferente, abraçando a todos como se determinado dia fosse um dos mais importante da nossa vida? O que perdemos quando nos permitimos também ser abraçado, correspondido e amado, ainda que por um único e inesquecível dia?

Se assim agirem, ainda que por um único dia, perceberão que o nascer da amizade, o perdão que restabelece outra ou até a desculpa que acalma a velha mágoa apenas precisa de uma pequenina oportunidade para amolecer o mais rígido dos olhares. Perceberão, também, que inúmeras pessoas estão apenas esperando o encontro destes distantes olhares para transformarem em encruzilhada ou ponto final as estradas de suas respectivas vidas. Não perderão sequer se estiverem corretos, nada percebendo em sua volta, pois terão o consolo de que pelo menos o ano viveu um dia cheio de esperança e amor, quando todos esqueceram as senis desavenças pessoais para se abraçarem como amigos.

O dezembro dos apoquentados aniversariantes, dos estafados vestibulandos, dos avexados trabalhadores, dos alegres festeiros e dos coerentes isolados irriga igualitariamente os desejos de todos. As diferenças estariam na forma de solver o néctar produzido pelo do tempo e na maneira de se deliciar do manjar ofertado. Dezembro é assim, é o mês que tem espaço para as mais diversas e inusitadas tribos, é o mês em que desejamos que a felicidade seja consumida por todos, é o mês que poderia virar ano.


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(*) Cezar Brito é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear.
cezarbritto@infonet.com.br

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