O lugar das mulheres

Prof.ª Dr.ª Andreza Maynard

 

Neste domingo comemoramos mais um dia internacional da mulher. Espera-se que no dia 8 de março de 2020 ocorram manifestações em vários estados, assim como ocorreu em 2019, a chamada “Marcha das Mulheres”. No ano passado os atos foram marcados por homenagens à vereadora Marielle Franco (assassinada em 14 de março de 2018) e também por manifestações contrárias às reformas trabalhistas apresentadas pelo atual governo federal. A verdade é que guardadas as especificidades locais, as mulheres pedem o mesmo em todo o mundo, ou seja, igualdade de gênero. Mas afinal de contas, (ainda) não somos todos iguais?

Não, nós ainda não somos todos iguais. A luta das mulheres por mais direitos no século 21 é resultado do crescimento da mulher no mercado profissional. Foi a chamada Segunda Revolução Industrial, ocorrida na segunda metade do século 19 que passou a recrutar de forma mais expressiva essa mão de obra. Falamos muito sobre o movimento feminista, que data da década de 1960, mas as reivindicações pelo direito das mulheres começaram no século 18, tendo surgido o termo feminismo justamente no século 19. A comemoração do dia internacional da mulher no dia 8 de março está ligado às greves operárias ocorridas nessa mesma data em 1857 e 1911. Nessas ocasiões a repressão policial prendeu, espancou e até mesmo queimou operárias dentro das fábricas.

Muitas conquistas, como os direito a educação, ao voto e ao próprio corpo, hoje naturalizadas (como se existissem desde sempre), foram fruto de manifestações que levaram as pessoas a pensarem sobre o modelo de sociedade em que desejavam viver. No século 21 a frase de Heráclito “Nada é permanente, exceto a mudança”, guarda uma fascinante aplicabilidade. E mesmo nesses tempos líquidos, há permanências históricas que dificultam a paridade social entre homens e mulheres.

É comum nos depararmos com discursos que desqualifiquem as manifestações das mulheres. Alguns ligam a comemoração do dia internacional da mulher a interesses estritamente comerciais, há os que afirmam que essas manifestações se tratam de ações coordenadas pelos partidos de esquerda, e outros defendem que as mulheres valorosas estão em casa e assim devem permanecer. É o caso da leitora Flávia A. G. Silva, que  respondeu a uma publicação do iG sobre as manifestações que ocorreram em 2019, dizendo: “Eu como mulher, mãe, esposa, filha vou estar fazendo o meu manifesto diario: TRABALHANDO, e não batendo perna em marcha nehuma, mesmo pq não tenho tempo pra isso” (Comentário, https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2019-03-08/marcha-8-marco-mulher.html. Acesso em 20/03/2019).

Esse relato estabelece que a mulher pertenceria ao ambiente familiar, doméstico, da casa. Tal fala faz pensar no perfil da “esposa-mãe-dona de casa” descrito pela historiadora brasileira Margareth Rago como o ideal de mulher brasileira na primeira metade do século XX. Desde o século XVI o Brasil se estruturou a partir de um modelo de sociedade em que o homem era dono da terra, dos animais, dos seres humanos escravizados e obviamente das mulheres. A determinação do espaço privado (o lar) à mulher, e ao espaço público (a rua) ao homem foi resultado de um discurso de dominação masculina que perpassou os séculos 16 ao 20. A fala citada no parágrafo anterior é, portanto, o reflexo do peso da tradição patriarcal na nossa formação histórica e social, que se faz sentir ainda no século XXI.

Os discursos inscreveram práticas e estabeleceram os papeis sociais a serem desempenhados pelas mulheres. De acordo com a teórica francesa Simone de Beauvoir, para provar a inferioridade da mulher, os antifeministas apelaram para a religião, filosofia, teologia e para a ciência. A prática de subjugar as mulheres viria da necessidade de se mostrar superior, ou ainda, de esconder uma fraqueza. Ora, então sejamos todos fortes.

Lugar de mulher é onde ela quiser.

 

 

 

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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