O meio do caminho

Uma boa e animada rodada de bar produz discussões fantásticas, algumas delas com uma profundidade digna dos mais acalentados debates acadêmicos. Ainda que discordem os puritanos, o bar é, sem dúvida, uma extensão natural do aperfeiçoamento intelectual. Não sem razão os barzinhos costumam ser transformados em aulas práticas por professores especialistas em degustar o conhecimento, freqüentados por estudantes loucos para beber em dose exageradas o saber que se esparrama nas mesas entupidas de gente e revolucionários batalhando para solver em goles apressados o que foi apropriado anteriormente por quem teve o privilégio de antes chegar. No democrático e filosófico espaço de um bar todos respiram a mesma atmosfera, mesmo aqueles que nada querem aprender.

 

A política, como se espera de um tema tão saboroso, é sempre servida como um das principais iguarias de um bar, sendo os acontecimentos da semana os petiscos mais devorados. E, como não poderia deixar de ser, os dois petistas que se meteram nas últimas enrascadas foram servidos na bandeja. A deputada petista Ângela Gaudagnin, alegre com a absolvição de seu amigo pessoal João Magno, utilizou como meio para externar o seu contentamento uma dança inapropriada para o momento e o local escolhido, colhendo como fim  tão-somente  indignação e repúdio  O ex-ministro Antônio Palocci,  ainda que desconfiasse das intenções do caseiro Fracenildo, fez do crime da quebra do sigilo bancário a sua defesa, na equivocação ilusão de que um erro justificaria o outro erro, o que faz com que a sua chegada fosse rapidamente interrompida. Exatamente porque não atentos aos caminhos percorridos e aos meios utilizados, os dois petistas foram previamente condenados pela opinião pública, pouco importando a justeza da chegada ou correção do fim almejado.

 

E foi nesse boteco da vida, depois que ultrapassada a fase da degustação política, que escutei a lição ministrada por Nilton Cleide, um amigo que reside na festiva cidade de Salvador. Disse-me ele que tinha vendido a sua casa de praia em Itaparica, exatamente porque não tinha paciência em esperar a longa fila do ferry-boat, assim como não mais suportava ser constantemente assediado pelos milhares de vendedores ambulantes que gravitam em torno dos carros ali hibernados. E de nada adiantava comprar passagem com hora marcada, pois a obrigação de chegar no horário era incompatível com o seu espírito de baiano. Resultado: preferiu vender a casa a viver estressado.

 

E como num bar a conversa rende sem hora marcada, advertiu-me que esta era apenas a introdução de sua história. Na verdade, estava ele querendo falar do exemplo de seu amigo e vizinho na já vendida casa de Itaparica. O seu amigo, também advogado, estava querendo saber dos boatos sobre a construção de uma ponte que ligaria o continente à famosa ilha. É que, se fosse confirmado o boato, colocaria à venda a sua casa de praia. E conclui Nilton usando as palavras de seu amigo: – Pois é Nilton! O meu feriado já começa na fila do ferry. Não vejo a hora de lá chegar e ficar sabendo o que está ocorrendo na Bahia. De quebra, ainda bebo, como, chupo picolé e danço enquanto espero. O charme da minha casa de praia é que ela começa na fila do ferry, e se a ponte chegar vai ficar menor e perder a graça.

 

Esta era a sábia conclusão daquele papo. Demonstrava Nilton, com o seu próprio exemplo, que os mesmos fatos comportam interpretações distintas. O mesmo contratempo que o fizera vender a casa era o motivo mais relevante para que o seu amigo não vendesse a sua. Mais ainda, que o seu amigo fora mais sábio do que ele, pois aprendera a fazer dos problemas uma solução de vida. Ensinou ele que o prazer também estava no caminho, não apenas na chegada. A sua casa de praia era uma chegada cobiçada, mas a forma de lá chegar não poderia ser desprezada. E Nilton encerrou o assunto, não a conta do bar, dizendo que estava adequando a sua vida ao que fora ensinado pelo amigo. Hoje, segundo ele, compreende que a caminhada é tão importante quanto a chegada, da mesma forma que é correta  afirmação de que não se pode desprezar os meios quando se pretende conquistar determinado fim.

 

Quando terminou a sua narrativa filosófica sobre a “ética dos meios” ou a “importância do caminho para a chegada”,  a política voltou a ser servida, agora para questionar o outro absurdo que passou desapercebido na semana. A mesma oposição que diz quer limpar o Brasil da corrupção é a mesma que mandou arquivar o processo de cassação do senador Azeredo da Silveira, ex-presidente do PSDB, apontado como criador do próprio e abominável valerioduto. É, de novo, a obsessão pela conquista da chegada (a presidência da República), sem importar as contradições do caminho e a ausência de ética no uso dos meios.  

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