O nepotismo resiste, até quando?

A cidade de Maceió mergulhou de cabeça na intricada praia do nepotismo, banhando, com suas águas cristalinas, alguns dos mais badalados representantes da magistratura estadual. É que sob o famoso sol alagoano estavam reunidos os vinte e sete corregedores-gerais de Justiça dos Estados, banhistas encarregados de fazer brilhar a moralidade e tornar transparentes os atos administrativos praticados pelos magistrados estaduais. O azul-piscina de Pajuçara, neste mês republicano, tinha a certeza que inspiraria aquele grupo que tem na claridade a razão de ser de sua própria existência.


Porém, como de descobriu na nota publicada no dia 10 de novembro, resultado mais público daquele 40º Encontro Nacional de Corregedores-Gerais, as ondas calmas de Maceió somente serviram, paradoxalmente, para tornar absolutamente turvo o propósito da reunião. Longe de nadar nas águas claras da moralidade pública, a classe mais uma vez estendeu na areia do cotidiano brasileiro a toalha amarfanhada do nepotismo. Insiste ela que os seus rebentos e parentes continuem veranistas permanentes do Erário, alheios à brisa democrática do concurso público e indiferentes aos raios éticos emitidos pela nação.


É bem verdade que os corregedores não subiram diretamente na prancha do nepotismo, parecendo até dizer que o seu deslizar antiético deveria ser punido. Entretanto, quando elegeu as regras que deveriam pautar a conduta da cúpula do Judiciário Estadual fez revelar o desejo submerso em manter intacta a prática já vedada pelo CNJ. E das profundezas do mar azul de Maceió fizeram emergir a desculpa de que a prática do nepotismo somente poderia “ser coibida por normas editadas pelo Congresso Nacional”. Não poderia, portanto, se proibida por súbita crise de consciência moral ou através do CNJ, pois a norma proibitiva que editou “viola princípios da Constituição Federal, impõe procedimentos que cerceiam o autogoverno dos Tribunais de Justiça do Brasil e usurpa as atribuições do Poder Legislativo”.


Evitando que pairasse qualquer dúvida sobre a onda em que surfava, o Encontro de Corregedores-Gerais abertamente partiu para o esporte radical do resistir e destruir obstáculos. O novo esporte marítimo recebeu a alcunha “tudo vale em defesa dos filhos e parentes”. E do mesmo baú submerso, sacou o seguinte tesouro-lema: “sem perderem de vista os princípios norteadores de suas ações, resistam ao cumprimento de determinações do Conselho Nacional de Justiça que impliquem o desrespeito à Constituição Federal e às demais normas válidas do sistema jurídico”.


Felizmente tais manifestações são focos isolados dessa anomalia se pretende erradicar no Brasil, agora, mais do que nunca, ávido em conquistar o título de “Zona Livre do Nepotismo”. Basta que se observe que a barreira sanitária da ética fora criada por um Conselho integrado majoritariamente por magistrados. Basta que se constate que se converteram em fiscais do cumprimento da Resolução todas as associações representativas dos magistrados (AMB – Associação Nacional dos Magistrados, ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas e AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil). Basta que se lembre que também compartilham deste movimento a OAB e as associações vinculadas ao Ministério Público.


Agora, com a publicação da Resolução, se espera que todo o Poder Judiciário cumpra a sua missão de fazer Justiça, afundando, definitivamente, a nau do nepotismo, punindo aqueles comandantes que se recusarem a seguir a carta náutica traçada pelo CNJ. Espera-se que os renitentes desportistas do nepotismo se quedem a essa nova onda ética, desistindo da absurda pregação de resistência. Espera-se, ansiosamente, que no oceano da ética o nepotismo seja uma mera referência de um tempo que já passou e que, por isso, nunca mais desembarcará no solo brasileiro.

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