O polêmico Gilmar Mendes

Na próxima sexta-feira (23/04/2010), toma posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal o Ministro Cezar Peluso. Encerra-se, assim, o período de dois anos de exercício, pelo Ministro Gilmar Mendes, da presidência da mais alta Corte de Justiça do país.

 

De personalidade forte, o Ministro Gilmar Mendes empregou o seu estilo à administração do Supremo Tribunal Federal e também do Conselho Nacional de Justiça. Elogiado por muitos, criticado por muitos, o fato é que Gilmar Mendes não foge de polêmicas, emite opiniões sobre assuntos mais diversos, efetua críticas externas e internas ao Poder Judiciário e participa ativamente dos debates e discussões sobre os temas que compõem a pauta política nacional.

 

Aqui, neste mesmo espaço da Infonet, comentamos diversas passagens da atuação do Ministro Gilmar Mendes como presidente do STF e do CNJ, sempre em perspectiva crítica.

 

Faremos agora um resumo dessas passagens, à guisa de balanço crítico de sua gestão.

 

Antes mesmo de tomar posse na Presidência do CNJ, Gilmar Mendes já anunciava que o Conselho Nacional de Justiça não deveria priorizar as investigações contra juízes acusados de corrupção ou negligência, e só deveria agir quando as corregedorias dos tribunais forem omissas. Mais: que o CNJ deveria ser mais seletivo no exame de processos e não se manifestar sobre qualquer assunto. “Não imagino que tenhamos um muro de lamentações apto a responder a todas as demandas. Se o CNJ se embrenha por esse caminho, corre o risco de não dar respostas satisfatórias”.

 

Dissemos aqui que a meta apresentada não se coadunava com as essenciais competências constitucionais do órgão. A não ser que tais competências constitucionais fossem substancialmente modificadas por uma nova emenda à constituição, o que não parecia estar no horizonte político (https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=71398&titulo=mauriciomonteiro). Dois anos depois, nenhuma mudança constitucional quanto às essenciais competências do CNJ foi aprovada, mas o CNJ continuou a exercer o importante papel fiscalizador e controlador do cumprimento dos deveres funcionais de juízes, em especial pela atuação firme do Corregedor, Ministro Gilson Dipp.

 

Já na condução do STF, o Ministro Gilmar Mendes levou a Corte Suprema a um grau de ativismo judicial inédito no Brasil. De espectador passivo a interlocutor hiperativo, com  pretensa monopolização da agenda política nacional, o STF, sob a presidência de Gilmar Mendes, tornou-se a Corte Suprema mais ativa do mundo, na expressão de Eduardo Appio.

 

Analisamos que ao adotar como política institucional a edição proliferada de Súmulas Vinculantes (muitas das quais aprovadas sem a observância do rito e dos requisitos estabelecidos pela própria Constituição), o STF usurpava o espaço de atuação constitucional e institucional do Poder Legislativo, tornando-se “O Supremo Legislador” (https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=76868&titulo=mauriciomonteiro). Desse modo, os grandes temas nacionais, que deveriam necessariamente passar por amplo debate democrático em toda a sociedade e nos locais mais adequados para o exercício da representação política dessa mesma sociedade (Poder Legislativo e Poder Executivo), passam a ser objeto de monopolização pelo Poder Judiciário (leia-se STF) (“Ativismo Judicial e Democracia”: https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=77105&titulo=mauriciomonteiro).

 

No final do ano de 2008, o primeiro ano de sua Presidência no STF e no CNJ, Gilmar Mendes comemorou a significativa redução do número de processos que chegaram à Suprema Corte no ano de 2008 em relação ao ano de 2007. “O ministro disse que o Supremo fechará o ano com 60 mil processos distribuídos, 45 a mil a menos que nos anos anteriores.” (https://.conjur.com.br/static/text/72220,1). Dissemos aqui que muito embora a racionalização do sistema judicial brasileiro seja uma necessidade imperiosa, é preciso analisar criticamente todo esse processo de restrição do acesso à jurisdição constitucional. Para isso nos valemos do texto sempre crítico de Sérgio Sérvulo da Cunha (“Nova Jurisdição Constitucional e a Mula de Tales: https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=80282&titulo=mauriciomonteiro).

 

Em 13/04/2009, o STF divulgou, com pompa e circunstância, a celebração do “II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça Mais Acessível, Ágil e Efetivo”, tendo como signatários os Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. Questionamos então: o povo foi chamado a participar desse debate? A agenda de prioridades, nas margens dos objetivos constitucionais da República Brasileira, foi previamente discutida com o povo? O povo teve a oportunidade de manifestar o seu ponto de vista e a sua visão sobre os principais problemas que tornam o sistema de justiça moroso, inacessível e inefetivo? (“Pacto Republicano ou Pacto de Elites?”: https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=84598&titulo=mauriciomonteiro).

 

Também marcou a presidência do STF por Gilmar Mendes uma modalidade de ativismo judicial, qual seja, o ativismo “midiático”. O exercício da presidência do STF pelo Ministro Gilmar Mendes foi marcado por pronunciamentos públicos constantes, incisivos e contundentes – muitas vezes em temas que ainda estão ou podem brevemente estar sob apreciação da Suprema Corte – em comportamento não usual ou heterodoxo para uma Corte de Justiça que deve primar pela moderação e equilíbrio. Oscar Vilhena Vieira, professor da Fundação Getúlio Vargas, aponta que “Gilmar Mendes é um ponto fora da curva em relação aos anteriores. O Nelson Jobim tinha certa exposição, mas Ellen Gracie, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence foram discretos. A tradição é de uma certa discrição. O velho jargão no direito é: o juiz fala no processo”. José Reinaldo Lopes, professor da USP, afirma que “Mendes não deveria se manifestar sobre temas que potencialmente chegarão ao Supremo, já que o tribunal teve poderes ampliados e pode ser chamado a julgar assuntos de interesse público (…) O STF tem o poder extraordinário de, em última instância, definir as regras do jogo, mas em contrapartida não pode ter a iniciativa ou participar ativamente do jogo” (Folha de São Paulo, edição de 25 de abril de 2009 – “Mendes foge do padrão, dizem estudiosos”; assinantes da Folha ou do UOL podem acessar a matéria completa em https://1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2504200912.htm).  

 

Registramos aqui algumas dessas inúmeras intervenções polêmicas do Presidente do STF no debate público (“O Supremo Tribunal em xeque: https://.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=85059&titulo=mauriciomonteiro): a) opinião contundente contra o que seria a ilegalidade contumaz de práticas do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e, em conseqüência, a ilegalidade de repasse de recursos públicos a essa entidade; o Presidente da República disse que o Presidente do STF teria falado enquanto cidadão, no que foi imediatamente rebatido pelo Ministro Gilmar Mendes, que disse ter falado enquanto Presidente de um Poder, “Chefe do Poder Judiciário”; b) manifestação rotunda no sentido de que a concessão de refúgio ao italiano Cesare Battisti pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro, poderia ser questionada e até mesmo revista pelo STF; c) a pomposa celebração de um “Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça Mais Acessível, Ágil e Efetivo” entre os Poderes, sendo que além de esse pacto não ter sido discutido previamente com o povo – como deveria ser, em se tratando de uma proposta autenticamente republicana – parece não ter sido fruto de consenso sequer entre os seus próprios pares; d) prévia condenação pública da Agência Brasileira de Inteligência (ABI) – órgão vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República – pela realização de gravação clandestina de conversa telefônica sua mantida com o Senador Demóstenes Torres, fato que o levou a afirmar, em rede nacional de televisão, que seria o caso de chamar o Presidente da Repúblicas “às falas” (mais tarde, em sabatina promovida pelo jornal Folha de São Paulo, admitiu que o fato não ficara devidamente comprovado, mas que o conjunto de circunstâncias legitimara a pressuposição de que teria sido mesmo responsabilidade da ABIN); e) reiteradas e sucessivas críticas públicas ao comportamento de magistrados de primeira instância, em especial do Juiz Federal atuante no inquérito policial resultado da “Operação Satiagraha”, assim como ao Delegado inicialmente atuante no caso.

 

Essa postura, aliás, chegou a ser criticada pelo Ministro Marco Aurélio, também do STF, que pontuou a necessidade de o Ministro Gilmar Mendes conter um pouco o ritmo intenso de sua atuação pública e intervencionista: “Talvez esteja na hora de tirar o pé do acelerador e buscar uma austeridade maior (…) Toda vez que se fustiga em muitas frentes também se fica na vitrine dos estilingues impiedosos (…) ele tem tido uma atuação ostensiva em vários campos, e isso implica a própria fragilização do Judiciário. A virtude está no meio”) (Folha de São Paulo, edição de sexta-feira, 24 de abril de 2009 – assinantes da Folha ou do UOL podem acessar em https://1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2404200908.htm).

 

Como se percebe, a análise que aqui fizemos da passagem de Gilmar Mendes pela presidência do STF e do CNJ foi uma análise crítica. Há quem prefira apontar diversos aspectos positivos. Todavia, a nossa opção, aqui, foi fazer o contraponto democrático.

 

O que ninguém nega, contudo: Gilmar Mendes foi um presidente do STF bastante polêmico. É da essência de sua personalidade, por onde passou (Ministério Público Federal, Subsecretaria para Assuntos Jurídicos do Ministério da Casa Civil, Advocacia-Geral da União) foi assim. Como se trata de uma função pública (a de presidente do STF), que a sociedade faça então o seu balanço.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais