O QUE TEM DE ESTRANHO NA FRANÇA DERROTADA?

 Raquel Anne Lima de Assis

Graduanda em História pela UFS. Integrante do Grupo de Estudo do Tempo Presente. Bolsista PIBIC do projeto “Memórias da Segunda Guerra em Sergipe”, apoiado pelo CNPq e pela FAPITEC – Edital PRONEM/2011. Email: raquel@getempo.org. Orientador: Dilton Cândido S. Maynard

Durante a II Guerra Mundial a França foi derrotada e ocupada pela Alemanha nazista em 1940. Marc Bloch, além de historiador, foi militar e contemporâneo a esse fato. Utilizando desses atributos escreveu A estranha derrota (1940), sendo um testemunho, na visão de um profissional e de cidadão francês, dos motivos que levaram à derrota de seu país.

A obra é também uma análise histórica do tempo presente de Marc Bloch. O autor deixa claro seu orgulho de ser francês, mas acima de qualquer coisa é um historiador sério. Ou seja, assume que a culpa da derrota foi dos próprios franceses. Analisa tanto as falhas militares como a consciência do povo francês.

Marc Bloch nasceu em 1886. Fundou com Lucien Febvre a Escola dos Annales, foi professor da Universidade de Estrasburgo e publicou algumas obras como, Os reis taumaturgos (1924) e Apologia da história ou O oficio do historiador, obra inacabada e publicada em 1949. Com a França ocupada, fugiu para a Inglaterra a fim de evitar a rendição. Depois retornou ao seu país, conseguindo fugir e se disfarçar de civil em uma zona não ocupada pelos nazistas. Foi nessa ocasião que redigiu A estanha derrota em uma casa de campo, esses manuscritos permaneceram em local secreto até o final da guerra. Foi militar, lutou na I e na II Guerra. Quando morreu em 1944, fuzilado pela Gestapo, fazia parte da resistência para libertar a França.

Bloch faz um testemunho de como foi sua experiência durante a guerra, mostrando as falhas dos militares, tanto dos soldados mais rasos, mas principalmente dos chefes. Os chefes militares eram velhos que lutaram na Primeira Guerra Mundial. Achavam que as mesmas práticas que levaram a França a vencer na guerra mundial anterior serviriam para o conflito que estavam vivendo. Marc Bloch mostrou como estavam enganados.

O conflitou era de velocidade e não mais de trincheiras. A Alemanha venceu os franceses justamente por saberem utilizar desse artifício. As distâncias e o tempo diminuíram, o poder de destruição era maior, houve o uso intensivo pelos nazistas de bombardeios aéreos.  Por mais que os franceses fugissem, os alemães conseguiam alcançá-los. Portanto, ao contrário dos alemães, os franceses não inovaram, permaneceram com as mesmas estratégias, uma das causas de sua derrota.

Outro erro dos militares franceses foi o excesso de burocracia. Era extremamente difícil a comunicação entre os oficiais mais rasos com os superiores; havia também lentidão para se tomar decisões e dificuldade de repassar informações, devido à desorganização. Para completar, os oficiais entravam em conflitos constantemente entre si, o que o autor chamava de “partidos militares”.

Os franceses tentaram justificar a derrota com o abandono dos ingleses. Entretanto, o autor questiona se a culpa foi deles.  Os erros dos franceses colaboraram para que os britânicos não depositassem tanta confiança em seus aliados. A relação ficou abalada e os ingleses não estavam dispostos a perderem por incompetência dos outros.

Mas a superioridade alemã no campo de batalha, o novo ritmo da guerra, transformações na forma de lutar desde o fim da I Guerra não foram total novidade. Houve demonstrações e tempo suficiente para a França se renovar, isso não ocorreu devido aos chefes velhos. Os civis não acreditavam que os bombardeios poderiam cair sobre eles, logo não se organizaram para resistir. Não se preocuparam com as aldeias, somente com as cidades. Quando os alemães se aproximaram, os funcionários fugiram invés de lutarem. Os jovens eram inexperientes, não os prepararam para o conflito.

Marc Bloch não se preocupa em analisar somente os aspectos militares, mas também a consciência do povo francês. Chega à conclusão que os atos do exército estão interligados à comunidade francesa. Ou seja, todos tiveram responsabilidade nas falhas.

Primeiramente, alguns acharam que suas vidas eram mais úteis, não queriam lutar, que outros deveriam arriscar suas vidas. Faltou heroísmo da população e dos dirigentes. A indústria não construiu artefatos e transportes de guerra suficientes. Culpa também dos operários que em tempo de conflito estavam preocupados com seus salários e os sindicatos ainda contribuíam para isso, pensavam apenas no presente e não futuro. Ainda faltou informação da imprensa.

Bloch elogia a vida rural, mas alerta para as mudanças. Era um novo mundo de velocidade e dinamismo, todavia, seu país ainda matinha antigos costumes. Para tal mudança é necessário a instrução, que faltou ao seu povo. Já se previa a guerra, mas nada fizeram para se preparar, para entrar em sintonia com esse novo mundo. Contudo, o autor alerta que ainda havia esperança, que nada estava perdido. Acreditou tanto nisso que morreu pela causa.

Sem dúvida nenhum essa obra é um testemunho da experiência vivida por um historiador, militar e cidadão francês. O trabalho de Marc Bloch carrega sentimento de amor e decepção com sua pátria. Mas não deixa de lado a visão de historiador, analisa a sociedade, o passado dela e suas consequências no seu presente. Seu sentimentalismo não interfere na crítica feita a França. Não ignora as falhas em nome de um nacionalismo.

A estranha derrota é um livro que pode ser utilizado por professores e pesquisadores. Serve para conhecer os fatos que levaram à queda da França, que não são inventados pelo autor, mas sim fruto de suas análises como profissional, seus conhecimentos adquiridos e dos fatos presenciados. É também uma ferramenta de como se fazer o trabalho de um historiador, basta analisar seus métodos.

Portanto, é um a leitura indispensável para os profissionais da História, seja pesquisador ou professor que trabalha Segunda Guerra Mundial ou não. Este livro de Marc Bloch serve de exemplo e manual de como historiar.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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