Revisão Geral Anual de Remuneração

Diversas categorias de servidores públicos estaduais estão mobilizadas – com realização de paralisações por tempo determinado e sinalização para greve por tempo indeterminado – com o objetivo de obter do Governo do Estado o compromisso de negociação de suas demandas específicas e de negociação do reajuste salarial desse ano.

 

A maior reclamação de todas essas categorias de servidores públicos, verbalizada com a mais perfeita legitimidade pelos sindicatos respectivos[1], é a ausência de qualquer proposta concreta por parte da Administração Pública Estadual[2]. Isso porque a Mesa de Negociação criada pelo atual Governo, embora tenha se apresentado como uma interessante idéia de inovação nos procedimentos de negociação entre Governo e servidores públicos estatutários, não tem apresentado maior concretude.

 

Com efeito, independentemente de eventuais e compreensíveis dificuldades orçamentárias e de disponibilidade de recursos, os servidores públicos possuem o direito à revisão geral anual de remuneração. Desde a entrada em vigor da emenda constitucional nº 19/98 que esse direito passou a ter obrigatoriamente a periodicidade anual:

 

Art. 37 (…)

X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices (grifou-se).

 

Aqui não cabe, portanto, o argumento que vem sendo recorrentemente utilizado pelos gestores públicos no sentido de que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) impede ou dificulta a fixação do índice de revisão de remuneração dos servidores.

 

Em primeiro lugar, pela óbvia circunstância de que uma lei não pode frustrar um comando constitucional. Em segundo lugar, porque não é verdadeiro que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíba ou impeça a concretização da revisão mencionada.

 

Mesmo na hipótese aguda de a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite[3], a LRF veda ao Poder ou órgão que tenha incorrido no excesso a concessão de reajustes ou revisões, ressalvada expressamente a revisão geral anual de remuneração a que alude o Art. 37, X da Carta Maior:

 

Art. 22 (…)

Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:

I – concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;

 

Cabe frisar ainda que, de acordo com a mesma Lei de Responsabilidade Fiscal, “a verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre” (art. 22). Ou seja: mesmo que ocorra a situação extrema de, num primeiro momento, a concretização da revisão anual geral de remuneração fazer com que seja extrapolado o limite de gastos públicos com pessoal, a Administração Pública ainda disporá de três meses para adoção de medidas que impliquem a devida adequação de seus gastos aos limites legais fixados nos Arts. 19 e 20 da LRF.

 

E também não se aceite a argumentação comumente utilizada por vários gestores públicos ao longo do tempo, no sentido de que a revisão geral de remuneração (que nada mais é do que um dever do Estado ao mesmo passo que um direito dos servidores públicos) pode gerar a radical medida da demissão de servidores (tecnicamente, o correto é falar-se em exoneração). Trata-se de um argumento terrorista! Caso o Poder Público não se planeje adequadamente de modo a respeitar o limite de gastos com pessoal sem prejuízo de suas demais obrigações, a Constituição determina que seja primeiramente adotada a seguinte medida: redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança.[4] É dizer: antes de partir para a “demissão”, o Poder Público precisará demonstrar que operou a redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança! O que é o mesmo que dizer, convenhamos, que a hipótese de “demissão” como medida de adequação ao limite de gastos com pessoal é de improvável ocorrência!

 

Que a Administração Pública de todas as esferas federativas se planeje adequadamente para cumprir a determinação constitucional que garante aos servidores públicos o direito à revisão geral anual de remuneração (sem prejuízo do cumprimento das demais obrigações constitucionais), como medida de valorização do servidor público e, em decorrência, valorização do serviço público que deve ser prestado eficientemente para toda a sociedade!



[1]           Afinal, de acordo com a Constituição Federal, “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas” (art. 8º, inciso III).

 

[2]           Qualquer reajuste ou revisão de remuneração dos servidores públicos somente pode ser operada mediante lei aprovada pelo Poder Legislativo, mas de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.

[3]          Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

                    I – União: 50% (cinqüenta por cento);

                    II – Estados: 60% (sessenta por cento);

                    III – Municípios: 60% (sessenta por cento).

             

              Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:

            (…)

                    II – na esfera estadual:

                    a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado;

                    b) 6% (seis por cento) para o Judiciário;

                    c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo;

                    d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados;

 

[4]         Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

            (…)

            § 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

            I – redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

            II – exoneração dos servidores não estáveis. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

            § 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

                       

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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