Região Metropolitana de Aracaju: quatro planos diretores, muitos desafios

A Região Metropolitana de Aracaju (RMA), criada pela Lei Complementar Estadual nº 25, de 29 de dezembro de 1995, é um dos principais aglomerados urbanos de Sergipe. Composta pelos municípios de Aracaju, São Cristóvão, Nossa Senhora do Socorro e Barra dos Coqueiros, a RMA concentra aproximadamente 40% da população estadual e carrega uma trajetória marcada por grandes desafios no planejamento urbano integrado.

Ao olharmos para os planos diretores desses quatro municípios, percebemos realidades bastante distintas: de um plano defasado a outro “natimorto”, passando por um exemplo construído a partir de um Termo de Ajustamento de Conduta, até chegar a uma revisão recente que já gera conflitos de limites territoriais.

Aracaju: um Plano Diretor defasado e suas consequências

O Plano Diretor de Aracaju foi instituído pela Lei Complementar nº 42, de 4 de outubro de 2000, elaborado com base em diagnósticos realizados em 1995. À época, a capital contava com cerca de 428 mil habitantes. Segundo o Censo de 2022, Aracaju passou a ter 602.757 habitantes, um crescimento superior a 40%. A população atual estimada pelo IBGE é de 630.932 pessoas.

O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) determina que os planos diretores sejam revisados a cada dez anos. No caso de Aracaju, cuja lei foi aprovada antes do Estatuto, o próprio texto estabeleceu a revisão a cada cinco anos. Apesar disso, o município acumula quase 25 anos sem atualização efetiva do seu plano diretor.

Tentativas de revisão que não saíram do papel

Desde então, Aracaju iniciou vários processos de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), nenhum deles concluído:

  • 2005 – Primeira tentativa de revisão, após a promulgação do Estatuto da Cidade;

  • 2010 – Segunda tentativa de atualização, novamente sem aprovação final;

  • 2015 – Terceira tentativa, também frustrada;

  • 2018 – Retomada do processo, após interrupção na gestão anterior;

  • 2021 – Nova rodada de audiências públicas, com apresentação de minuta revisada;

  • 2025 – Busca de reinício do processo, com anúncio da atual prefeita e realização de audiências no Ministério Público Estadual.

O acúmulo de tentativas sem desfecho tem causas conhecidas: alterações fragmentadas da legislação urbanística por leis pontuais, pressões do mercado imobiliário, judicialização com liminares baseadas em violação do direito de participação popular – especialmente de comunidades tradicionais –, além de uma Lei Orgânica Municipal extremamente analítica e ultrapassada (de 1990), que entra em choque com o próprio Plano Diretor.

O que significa não atualizar o plano diretor?

A ausência de atualização do plano diretor não é um problema abstrato. Ela se materializa em impactos urbanos concretos, como:

  • Crescimento desordenado, sem controle adequado de gabarito e densidade;

  • Adensamento excessivo em áreas sem infraestrutura (como a região da Jabotiana);

  • Ocupações irregulares em áreas de preservação permanente e dunas;

  • Problemas crônicos de drenagem e alagamentos;

  • Verticalização descontrolada na Orla de Atalaia;

  • Não aplicação da outorga onerosa do direito de construir, com perda de receitas públicas;

  • Agravamento dos problemas de mobilidade e acessibilidade urbana.

Aracaju é um exemplo claro de como um plano diretor desatualizado contribui para a soma de desigualdades urbanas, conflitos socioambientais e ocupação do solo pouco planejada.


Nossa Senhora do Socorro: um Plano Diretor “natimorto”

Nossa Senhora do Socorro, município com 192.330 habitantes segundo o Censo de 2022 e população estimada em 204.081 habitantes pelo IBGE, aprovou seu primeiro Plano Diretor por meio da Lei Municipal nº 557, de 10 de dezembro de 2002.

Esse plano, contudo, foi duramente criticado por especialistas: em vez de partir da realidade local, era, na prática, uma reprodução da legislação federal, sem diagnóstico consistente do território e sem diretrizes claras para orientar o desenvolvimento municipal. Daí a expressão “plano diretor natimorto”: nasceu sem condições de cumprir sua função.

Intervenção do Ministério Público e macrodrenagem

Em 2009, o Ministério Público Estadual provocou o início do processo de revisão, já que o próprio plano previa revisão até 2007. A ausência de planejamento da macrodrenagem municipal levou à judicialização: por ação do Ministério Público Estadual, houve suspensão judicial de todos os empreendimentos construtivos de impacto – loteamentos, condomínios, conjuntos habitacionais – e a imposição, por decisão judicial, de um controle rigoroso da drenagem pública para esses empreendimentos (tema aprofundado em artigo específico sobre drenagem sustentável).

Revisão de 2015 e novos desafios

Após anos de tramitação e, novamente, por provocação do Ministério Público, Nossa Senhora do Socorro aprovou um novo Plano Diretor, pela Lei Ordinária nº 1.118, de 2015.

Ainda assim, em novembro de 2025, o Ministério Público Estadual expediu recomendação ao município para que revisasse o atual plano diretor. Apesar de avanços pontuais, persistem desafios relevantes em:

  • Planejamento e controle da ocupação do solo;

  • Mobilidade e acessibilidade urbanas;

  • Ausência ou insuficiência de saneamento básico.

Boa parte desse quadro depende diretamente de uma atualização responsável e participativa do plano diretor, que possa dialogar com a realidade atual da cidade, e não com um cenário já superado.


Barra dos Coqueiros: um plano construído sob a lógica da sustentabilidade

A Barra dos Coqueiros, com população estimada pelo IBGE em 45.175 habitantes (41.511 no Censo de 2022), aprovou seu Plano Diretor Sustentável e Participativo (PDSP) por meio da Lei Complementar nº 02, de 23 de dezembro de 2008.

O plano foi concebido no contexto das obras da ponte que liga a Barra a Aracaju. O Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) identificaram que, para preservar a qualidade de vida da população diante das transformações previstas, seria indispensável a adoção de um plano diretor que cobrisse todo o território municipal.

Esse Plano Diretor nasceu, portanto, da adesão do município a um Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público Estadual, que acompanhou todo o processo de elaboração. O PDSP estabeleceu objetivos e diretrizes voltados ao desenvolvimento sustentável, com preocupação explícita em compatibilizar expansão urbana, proteção ambiental e qualidade de vida.


São Cristóvão: revisão recente e novo ponto de conflito

São Cristóvão, primeira capital de Sergipe e quarta cidade mais antiga do Brasil, tem hoje população estimada pelo IBGE em 101.213 habitantes (95.612 no Censo de 2022). O município revisou seu Plano Diretor anterior (Lei nº 044/2009) em dezembro de 2020, com a aprovação da Lei nº 470/2020, que instituiu um novo Plano Diretor.

Essa nova lei será analisada em detalhe em outro momento, mas já traz um ponto sensível para o debate metropolitano: a inclusão da região do Mosqueiro como território de São Cristóvão, o que gera conflito direto com o município de Aracaju. Trata-se de uma discussão que envolve não apenas limites geográficos, mas impactos fiscais, de prestação de serviços públicos e de ordenamento territorial.


E os próximos passos?

Os planos diretores da Região Metropolitana de Aracaju revelam um mosaico de situações: um plano claramente defasado (Aracaju), um plano que nasceu sem efetividade (Nossa Senhora do Socorro), um plano construído a partir de exigências ambientais e de um TAC (Barra dos Coqueiros) e uma revisão recente que já gera conflito territorial (São Cristóvão).

Nos próximos capítulos, vamos aprofundar:

  • As fases de revisão em curso;

  • O conteúdo de cada plano diretor;

  • Seu grau de efetividade no cotidiano urbano e ambiental dos quatro municípios da RMA.

A forma como essas cidades planejam (ou deixam de planejar) o seu território diz muito sobre o tipo de metrópole que Sergipe está construindo para as próximas décadas.

  1. https://infonet.com.br/blogs/nossa-senhora-do-socorro-um-plano-diretor-natimorto/
  2. https://infonet.com.br/blogs/sandrocosta/plano-diretor-o-que-e-por-que-importa-e-como-funciona/
  3. https://infonet.com.br/blogs/sandrocosta/aracaju-plano-diretor-defasado-e-ausencia-de-planejamento-municipal/
  4. https://infonet.com.br/blogs/plano-diretor-uma-contribuicao-da-asmp-para-aracaju/
  5. https://infonet.com.br/blogs/participacao-popular-na-elaboracao-do-plano-diretor/
  6. https://infonet.com.br/blogs/plano-diretor-de-aracaju-solo-descriado/
  7. https://infonet.com.br/blogs/novo-plano-diretor-de-aracaju-um-coeficiente-inaproveitavel/
  8. https://infonet.com.br/blogs/plano-diretor-efetivo-ou-um-pedaco-de-papel/
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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