Quando pensamos no Rio Grande do Sul, logo vem em mente a participação dos europeus – italianos, alemães, portugueses – na formação do povo porto-alegrense. Por séculos, essa contextualização europeia sobressaiu na cultura, na arte, na língua, mas de uns tempos para cá a herança deixada pelos povos originários e, sobretudo, de origem africana vem ganhando corpo e voz. Longe querer deixar a participação europeia fora da linha histórica ou submergir a sua importância. Urgente e necessário é incluir, reconhecer e dar visibilidade à participação duradoura e produtiva dos africanos e afrodescendentes na história brasileira, um dos elementos do Afro tour e a presença negra em Porto Alegre.
O Tô no Mundo participou do “Afro-tour: presença negra em Porto Alegre” conduzido pela guia de turismo credenciada pelo Cadastur e pesquisadora sobre a temática racial, Aline Andreoli, uma das responsáveis por trazer à tona a história pouco contada dos africanos na formação do povo brasileiro do sul. Para contextualizar, há um roteiro denominado “Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre”, com quatro sinalizações em locais de interesse histórico, e o “Afro-tour”, que faz menção aos antigos territórios negros de Porto Alegre e incluiu grandes personalidades que marcaram a presença negra no RS, sobretudo a partir de músicas e poesias incluídas a partir da participação especial do jornalista, escritor e militante do Movimento Negro, Oscar Henrique Cardoso.
O tour começou no emblemático Mercado Público de Porto Alegre, finalizado em 1869. Lá, como em outras construções históricas do gênero no país, a presença da mão de obra escravizada foi marcante e junto com ela as tradições culturais e religiosas. No centro do mercado, um mosaico de pedra e bronze executado em 2013 entre as encruzilhadas dos quatro corredores, há uma simbologia do culto ao orixá Bará, que na concepção africana é a entidade que abre caminhos.
No mercado, acredita-se haver uma energia ancestral protegendo a localidade. Conta-se que a estrutura do andar térreo do mercado sobreviveu a quatro incêndios e uma enchente. Tudo isso só fortalece a presença dos orixás na proteção local e se constitui num dos principais pontos do tour afro pela Capital do Rio Grande do Sul e um dos quatro símbolos do Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre.
Por conta dessa crença, o Bará do Mercado é tombado como patrimônio cultural do povo rio-grandense e importante para as religiões de matrizes afro-brasileiras. A saudação é feita com balas de mel ou moedas. Saudação para abrir os caminhos feita, fui ao segundo ponto do tour afro pela Capital do Rio Grande do Sul e cheguei no Painel Afrobrasileiro, no Chalé da Praça XV, em frente ao mercado municipal.
A obra de arte pública à céu aberto, concluída em 2014 no largo Glênio Peres, reflete a luta do povo negro. Com concepção de Pelópidas Thebano e execução de Vinicius Vieira, integra uma das etapas do Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre, feito na técnica mosaico cerâmico. Acredita-se que foi fixado em um dos muros do Chalé da Praça XV, simbolicamente, nas proximidades de uma casa de chá aristocrática que funcionou no início do século.
A terceira parada que não pertence ao Museu de Percurso de Negro em Porto Alegre, mas é representativa para o Movimento Negro é a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na rua Vigário José Inácio, no Centro Histórico, templo religioso que ano a ano faz missas com rituais de matrizes africanas.
Em seguida, o tour continua até o antigo e lendário Largo das Quitandeiras, hoje praça da Alfandega, onde as mulheres negras, na época da escravidão, chamadas de quitandeiras vendiam os produtos dos seus senhores, com suas vestes, pertinho do Cais do Porto. Na quarta parada foi construído o terceiro marco do Percurso “Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre” denominado de Pegada Africana, uma pegada com formato do mapa da África, justamente para sinalizar a localidade.
Passando pela rua das Andradas, chega-se à Igreja de Nossa Senhora das Dores e no antigo Pelourinho, onde os escravizados eram supliciados quando quebravam as regras impostas no regime de escravidão. Graças que o Pelourinho não existe mais, porém a igreja está lá desenhada por várias crenças, como a do escravizado de origem mulçumana que ao longo da construção do templo, foi apontado por um inverídico roubo de joias da santa da igreja. Ele rogou uma praga no senhor, que nunca veriam a obra da igreja finalizada. A igreja passou 100 anos para ser entregue e até hoje sofre com constantes manutenções.
Na sexta parada do tour afro pela capital do Rio Grande do Sul e primeira do Museu de Percurso de Negro em Porto Alegre, a conhecida praça do Tambor, no antigo Largo da Forca, é um dos mais simbólicos. A praça que antes era local de dor ganhou um Tambor gigante de cor amarela em homenagem à orixá Oxum e representações negras, justamente para trazer alegria ao local. Atual praça Brigadeiro Sampaio, a escultura representa história, luta, trabalho, resistência em memória de todos que já se foram. Era uma reivindicação antiga do Movimento Negro de Porto Alegre.
E assim os percursos negros vão reconstruindo a verdadeira história e lembrando que os europeus aqui chegaram, mas também muitos africanos. A história vai se espelhando na brasilidade e na diversidade. Resta-nos também saber que Porto Alegre tem uma grande concentração de terreiros de matrizes afro-brasileiras, sua população chega a 20,2% de autodeclarados negros e é lá onde iniciou-se um dos primeiros braços do Movimento Negro do país. Também é berço de Petronilha Silva, expoente do Movimento Negro e relatora da lei nº10.639, que versa sobre a obrigatoriedade do ensino da cultura africana no Brasil.
Na Bagagem
O percurso “Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre” são quatro sinalizações e obras de arte em locais de emblemáticos da participação negra do ponto de vista da identidade, memória e cidadania em Porto Alegre. O tour começa na praça do Tambor (praça Brigadeiro Sampaio) e finaliza no
Mercado Público Municipal, passando também pele Pegada Africana, na praça da Alfândega e no painel Afrobrasileiro.
O percurso do “Territórios Negro: Afro-brasileiro em Porto Alegre” foi construído pelo professor e pesquisador Oliveira Silveira, evoca a presença, a memória, o protagonismo social e cultural dos africanos e descendentes no Centro Histórico da cidade de Porto Alegre. Entre esses lugares estão, além do Largo Glênio Peres, o Cais do Porto e antigos ancoradouros, o Largo da Quitanda (Praça da Alfândega), Pelourinho (Igreja das Dores), Largo da Forca (Praça Brigadeiro Sampaio) e Esquina do Zaire (Av. Borges de Medeiros com Rua da Praia), o quilombo do Areal/ Luiz Guaranha, o Largo Zumbi dos Palmares, além do Campo da Redenção (Parque Farroupilha) e Colônia Africana (Cidade Baixa).
Há de saber também sobre a presença negra que constituiu a infantaria dos farrapos na Guerra dos Farroupilhas, mas ai seria conteúdo para um outro post.
Percorre-se o tour constituído pela guia Aline Andreoli em um turno com almoço em emblemáticos restaurantes de raízes africanas ou ida a um quilombo. Há também opções de almoço no centro histórico, como os self-service livre pelo valor de R$ 35.
A guia Aline Andreoli, que também é professora, pesquisadora e Mestre em Educação, ganhou o Prêmio de Guia Inovadora com seu Afro-tour no Congresso Brasileiro de Guias de Turismo em 2024, seu contato é (51) 98207-4273.
No Centro Histórico de Porto Alegre, há inúmeras opções de prédios históricos que trazem a construção do povo rio-grandense, como o Memorial do Rio Grande do Sul, o Museu de Arte Contemporânea, o Farol Santander, a Biblioteca Pública do Rio Grande, a Catedral Metropolitana, a Casa de Cultura Mário Quintana, o Mercado Público Municipal, entre vários outros.
Saiba mais. Fotos: Silvio Tô no Mundo
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