Um desejado e quase inédito Nobel

O ex-ministro da Agricultura no governo Ernesto Geisel, Alysson Paolinelli, de 84 anos, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2021. A nomeação, que pode soar até estranha, foi protocolada pela direção da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) no The Norwegian Nobel Committee. Diferente dos cinco prêmios Nobel concedidos pela Academia Real das Ciências da Suécia, é um Comitê da Noruega que concede o Nobel da Paz.

O motivo, segundo o diretor da Esalq, Durval Dourado, é que o professor, ex-deputado federal constituinte pelo PFL e ex-ministro é um provedor da paz mundial, “tanto no passado, com o desenvolvimento da Agricultura Sustentável no Cerrado, preservando a Amazônia, como no presente e no futuro, liderando o Projeto Biomas na Academia, como Terceiro Titular da Cátedra Luiz de Queiroz”. Em 2006, ele ganhou o prêmio World Food Prize, um equivalente ao Nobel da alimentação.

Será que dessa vez um brasileiro ganha individualmente a tão famosa e desejada honraria? Alysson Paolinelli tem como fortes concorrentes o Jared Kushner, ex-conselheiro sênior da Casa Branca, e seu vice, Avi Berkowitz, indicados por seus papéis na negociação dos “Acordos de Abraão”, de normalização nas relações entre Israel e nações árabes, considerados os avanços diplomáticos mais significativos no Oriente Médio em 25 anos.

Na edição de 2020, o docente da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e ministro do STJ, Paulo Dias de Moura Ribeiro, foi um dos indicados ao Prêmio Nobel da Paz. A honraria se devia à aplicação pioneira do capitalismo humanista em seus julgados. Venceu o Programa Alimentar Mundial, agência humanitária da ONU.

Em 2010, cogitou-se a possibilidade de o então presidente Lula concorrer ao Nobel da Paz. O norueguês Stein Tonnesson, diretor do Instituto Internacional para a Investigação da Paz, chegou a confirmar a informação de que seria muito provável a vitória de um político sul-americano que luta contra as desigualdades sociais. Mas não deu.

Em 2019, Lula finalmente figurou entre os 300 aspirantes de todo o mundo ao Prêmio Nobel da Paz. O ex-presidente recebeu apoio de mais de 600 mil pessoas responsáveis por uma petição defendendo a entrega da honraria. A campanha foi encabeçada por um detentor do Nobel, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, vencedor do prêmio em 1980, defensor dos esforços do ex-presidente pela retirada da miséria de quase 30 milhões de brasileiros que viviam abaixo da linha da pobreza.

O vencedor em 2019 foi Abiy Ahmed Ali, primeiro-ministro da Etiópia, pela anistia a milhares de presos políticos, retorno de exilados e por acabar com a censura dos meios de comunicação, promovendo a paz social e aumentando a importância das mulheres na sociedade etíope.

Não é correto dizer que o Brasil nunca foi agraciado com a honraria, porque o Nobel da Paz foi concedido, em 1988, às missões das Forças de Paz da ONU, agraciando com isso também um batalhão de mais de 6.000 soldados brasileiros que, entre 1957 e 1967, atuaram em uma missão de paz na Faixa de Gaza. Batizada de Batalhão Suez, a missão fez parte da primeira Força de Emergência da ONU, criada em 1956. Naquela época, Egito e Israel disputavam o domínio do Canal de Suez.

E não é demais afirmar que um sergipano fez jus a uma parcela desse Nobel da Paz, o itabaianense do povoado Serra, Olívio Ferreira das Chagas (1932-2007), que patrulhou o Canal de Suez no final dos anos 50. O bravo sergipano era pai do advogado e militante político Olivier Chagas.

Em 1960, Peter Brian Medawar, que nasceu no Brasil e naturalizou-se britânico, foi laureado com o Nobel de Medicina. Mas Medawar não é considerado um ganhador brasileiro do Nobel porque, em 1933, sua cidadania brasileira foi retirada devido a sua recusa de alistar-se no Exército Brasileiro.

O que chama a atenção para nós brasileiros é que ninguém nascido neste triste país tropical jamais venceu, individualmente, o tão cobiçado troféu, que hoje garante uma bolsa nada desprezível correspondente a mais de R$ 6 milhões.

O brasileiro que mais chegou perto foi Jorge Amado. Dizem que entre os anos 1970 e 1980, no auge da sua fama internacional, seu nome foi cogitado algumas vezes pela Academia Sueca e que, em 1988, Jorge Amado teria perdido o prêmio de Literatura, por apenas dois votos, para Nagib Mahfouz, o primeiro escritor de língua árabe a receber o Nobel.

“Que outro prêmio pode querer um escritor cuja obra é lida em mais de 30 idiomas?”, dizia o baiano, dando de ombros para os critérios obscuros dos suecos.

Os físicos Cesar Lattes e Mario Schenberg, os poetas Carlos Drummond de Andrade e Jorge de Lima, o economista Celso Furtado, os médicos Carlos Chagas, Adolfo Lutz, Manoel de Abreu e Sérgio Henrique Ferreira, o cardeal Paulo Evaristo Arns, em momentos e por motivos diferentes, chegaram mais ou menos próximos do prêmio. Mas no máximo batemos na trave.

Com tantos talentos, por que será que continuamos “invictos” num prêmio que desde 1901 já prestigiou mais de 800 profissionais de mais de 70 países? No caso da Literatura, há quem diga que falta aos escritores brasileiros “pluralidade de perspectivas sociais”, o que pode soar como uma balela.

E os nossos cientistas, por que não conseguem pôr a mão no título que um dia Albert Einstein conquistou? Seriam menos talentosos, por exemplo, do que os da África do Sul? Aquele país de língua inglesa já ganhou o Nobel 10 vezes, sendo três vezes na Medicina, uma vez na Química, além de duas vezes na Literatura e em três oportunidades ganhou o Nobel da Paz — uma delas, em 1993, dividida entre Nelson Mandela e Frederick de Klerk.

A Argentina ganhou cinco vezes, sendo duas vezes o Nobel da Paz. Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, México, Peru, Trinidad e Tobago, Venezuela, todo mundo já ganhou, menos o Brasil.

Como não lembrar as 386 vezes que os norte-americanos ganharam, as 131 vezes que os agraciados foram britânicos e as 111 vezes que os alemães levaram? Não dá deixar de levar em conta o caráter político da premiação, embora haja quem conteste algumas premiações que teriam sido claramente antiamericanas.

Seria a língua? E o que dizer dos chineses, cipriotas, albaneses, croatas, árabes e gregos? Seria a nossa desastrada educação? Falta de criatividade e sorte? Ou o nosso complexo de vira-latas? Há quem diga que os suecos olimpicamente nos discriminam. Mas essa não é uma explicação. Para nosso consolo, dizem que o mais injustiçado de todos até hoje foi Mahatma Gandhi, que poderia ter ganho o Nobel da Paz e não ganhou.

Insistamos, então. Quem sabe um dia…

*Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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