Está passando na televisão uma propaganda que achei fantástica e criativa. A trama é bastante simples, como geralmente são as boas coisas da vida. Ela reproduz as reflexões de um homem que, ainda criança, fez uma opção simples e banal, mas que influenciou o resto de sua vida. Ele narra que sua mãe havia lhe pedido que escolhesse um presente, oferecendo como alternativa uma flauta ou uma bola, tendo recaído sua decisão sobre esta última oferta.
Até aí nada de anormal na propaganda, mesmo porque tal episódio é exageradamente corriqueiro, vez que reprisado diariamente na vida de milhares de crianças. O interessante da narrativa é a sua conclusão, pois em função de ter escolhido a bola, explica que certo dia quebrou uma vidraça, jogando toda a culpa pelo infeliz chute no seu indefeso amigo. Em função da injustiça cometida, o amigo rompeu os laços de amizade, não mais permitindo, desde a infância, que fossem reatados. Hoje seu ex-querido amigo é o dono da empresa em que trabalha, mantendo-o afastado de qualquer intimidade ou da perspectiva de crescimento profissional.
Apesar do bem escolhido tom cômico da propaganda, ela reproduz uma séria lição de vida, especialmente porque nos força a refletir que todos os nossos passos são importantes, ainda que aparentemente insignificantes. E se são importantes, não nos custa dedicar a eles uma melhor atenção, até porque, não raro, a nossa desatenção pode machucar outras pessoas. Um pequeno gesto de carinho, uma simples palavra amiga ou mesmo um rápido conversar com o olhar podem salvar ou iniciar uma grande e definitiva relação de amizade ou até uma paixão avassaladora. Quem ainda não teve a experiência de colher belas flores, nascidas dos pequenos polens jogados nos jardins da vida, deveria ter a ousadia dos passarinhos, que fazem nascer do vazio um mundo mais colorido e bonito.
E não são apenas os gestos e as atenções que constroem ou apagam vidas, as ações inusitadas e inesperadas também. Nós costumamos contar, sempre que nos reunimos em família, que a nossa vida guarda relação direta com uma decisão repentina de meu avô Britto, ainda na sua fase de adolescente. Tinha ela saído de casa para fazer a sua inscrição no vestibular, comunicando a todos que tinha feito a opção pelo curso de medicina, sonho profissional que sempre acalentou. Porém, quando ainda estava na fila, não se sabe concretamente o motivo, resolveu mudar todos os seus planos, inscrevendo-se para o curso de direito, sendo posteriormente aprovado.
Em decorrência desta decisão, formou-se em direito, conheceu e casou com a sua Dalva, transformou-se em um grande e respeitado magistrado, assumindo uma vida completamente diferente da que teria se médico fosse. Esta opção, que mudou radicalmente a sua vida, sem dúvida alguma marcou o destino de sua família, mesmo porque ele sempre foi uma espécie de espelho para todos nós. Não é coincidência perceber que quatro de seus filhos (aí incluído o Ministro do STF Carlos Britto) e doze de seus netos abraçaram a carreira jurídica, embora o sonho da medicina também esteja presente em três de seus descendentes.
A propaganda da vida real nos ensina que o homem não é um projeto pronto e acabado, ou melhor escrevendo, que o homem já nasce perfeito ou predestinado para tal e determinado fim. Ao contrário, o homem é o somatório de suas omissões e ações, assim como aquelas motivações e idéias adquiridas através do ensinamento, da herança ou pelo relacionamento com outras pessoas. Em resumo, nós somos o que herdamos, adquirimos, aprendemos, fazemos, ou deixamos de fazer ao longo de nossa trajetória pelo mundo, até porque a vida é e sempre será uma estrada em construção e em constante ebulição. Pequenos e grandes passos integram a mesma caminhada, todos eles marcam e moldam a vida, cabendo ao andarilho, quase sempre, escolher qual o melhor caminho a percorrer ou ter a coragem para iniciar a jornada.
(*) Cezar Brito é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear.
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