Um príncipe russo em Itabaiana

Andreza Maynard

Doutoranda em História pela Unesp
Membro do Grupo de Estudos do Tempo Presente(GET/CNPq/UFS)

No início do século XX o cinema se constituía numa das principais atividades de entretenimento. A produção de filmes em escala industrial permitiu também a expansão do mercado exibidor em vários países. No Brasil as salas de projeção eram abastecidas principalmente pelas fitas norte-americanas e europeias, que garantiam a programação diária dos cinemas. Mas estes estabelecimentos funcionavam de maneira peculiar em cada local. Na cidade de Itabaiana (SE), por exemplo, um frequentador se destacava dos demais. Dizia-se que o homem era príncipe, e ainda mais, que era russo.

No fim da década de 1930 os moradores da cidade de Itabaiana podiam usufruir das novidades apresentadas pelo único cinema da cidade. O preço do ingresso, que custava 1$500 (mil e quinhentos réis), tornava a frequência ao cinema um prazer relativamente acessível. Para se ter uma ideia do custo do bilhete de cinema à época, com 1$000 (mil réis) era possível comprar 1 kg de açúcar ou 1 kg de arroz.

À noite a sessão deveria começar às 20h, mas nem sempre o horário era cumprido pelo dono do estabelecimento. O problema era que o momento em que tal príncipe chegava ao cinema determinava o momento do início da projeção cinematográfica. Descrito como um homem calado e misterioso, o príncipe começou a despertar a irritação dos outros frequentadores.

Numa carta datada de 16 de agosto de 1939 e enviada ao jornal Correio de Aracaju (que circulava na capital sergipana) um itabaianense reclamava que a exibição só começava às 20h se o príncipe não chegasse atrasado. “É nobre, precisa descansar bem o jantar”, ironizava o autor da missiva. Certa vez a demora do príncipe excedeu o limite da paciência dos demais. “Olho no relógio: quinze pras nove! Não, aquilo já era um escândalo”, indignava-se o crítico itabaianense. Por fim um garoto avisou que o príncipe russo não iria ao cinema naquele dia e o público pôde ver o filme.

Outra peculiaridade do cinema de Itabaiana à época era que o príncipe tinha tamanho prestígio ao ponto de um lugar da plateia ser reservado espacialmente para ele. “É uma espécie de presidente de honra do cinema”. Caso alguém sentasse na poltrona separada para o afamado frequentador, um dos funcionários comunicava sobre o engano e pedia para a pessoa levantar.

Esses inconvenientes provocados pelo príncipe russo se somavam a outros. A própria estrutura do cinema e a falta de qualidade dos equipamentos causavam sobressaltos entre a audiência. De acordo com o autor da carta enviada ao Correio de Aracaju: “O filme treme muito. O barulho é grande, há muitas pulgas (a creolina anda cara). O povo não tem contudo, para onde ir. Pronto, vai ver o filme. E suporta, com relativa paciência, o tremor da projeção, o barulho da máquina, a picada das pulgas”. Todos esses sacrifícios eram feitos em nome do prazer despertado pelos filmes.

O autor da carta não desejou simplesmente provocar o riso dos leitores do Correio de Aracaju. Ele estava determinado a expor o quão ridículas eram as intempéries enfrentadas pelos frequentadores do cinema de Itabaiana com a esperança de que os problemas fossem solucionados. A tremedeira do filme, o barulho da máquina de projeção e as pulgas já eram um estorvo, mas ele desabafava que “há uma coisa pior do que tudo isso: o príncipe”.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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