Uma bala, uma soberba

Certa vez, mais precisamente no mês de março de 1990, o então presidente Fernando Collor de Melo, no auge de sua empáfia, convocou a imprensa para explicar o seu arrojado plano de combate à inflação, que naquele mês alcançara o astronômico percentual de 84,32%. Explicava ele que o confisco da poupança e dos recursos financeiros de todos os brasileiros, aliados ao arrocho salarial provocado pela não reposição da inflação vencida, tinha uma explicação lógica e de simples compreensão. É que sendo inflação um cruel inimigo da nação, tinha que ser combatida ferozmente, ainda que com perdas graves para os milhões dos brasileiros, subitamente reduzidos à condição de abonados “senhores de cinqüenta cruzados”.

 

Na época, nunca esqueci, arrematou elle na sua histórica entrevista, pedindo a paciência e compreensão dos espantados brasileiros, dizendo à “sua gente” quem tinha apenas uma única bala na agulha para abater o inimigo chamado inflação. E por mais que se comprovasse o erro de sua estratégia, continuava arrogante. E por mais que a economia não seguisse a sua orientação, não mudava a sua mira. Não queria, não podia ou não enxergava o erro da “Teoria da Única Bala”. Era, na prática, a burra ação da arrogância.  

 

O tempo passou e demonstrou o quanto elle estava errado.  Não apenas a inflação voltou de forma irritante, mas também se descobriu que os seus amigos e apadrinhados tinham conhecimento do confisco, lucrando antecipadamente com as informações privilegiadas. Também se descobriu que o Brasil estava vitimado por uma grande onda de corrupção, resultando no impeachment  daquele que, enganando a torcida, fora flagrado no comando da própria gang dos amantes da coisa pública.

 

A teoria do único tiro, que parecia esquecida, voltou a colorir o cenário brasileiro, desta vez exibida mundialmente pelo senhor Carlos Alberto Parreira. O alvo de seu certeiro tiro seria a conquista da sexta estrela do Mundial de Futebol. A arma utilizada a melhor seleção de jogadores do mundo. Os adversários não passariam de pequenos coadjuvantes, escalados apenas para glorificar a sua brilhante estratégia. A estratégia, como já adiantado, tão-somente ajuntar o grupo de “conhecidos-badalados-ricos-empresariados-craques-brasileiros-exportados-para-a-Europa”.

 

Agora, como no passado collorido, o comandante Parreira, soberbamente, não se cansou de demonstrar, esquematizar e dizer que tinha uma estratégica definida para conquistar a cobiçada sexta estrela do mundial. Pedia a todos que confiassem nele, pois estava previsto que o seu time de “conhecidos-badalados-ricos-empresariados-craques-brasileiros-exportados-para-a-Europa” estava apenas se aquecendo nas fases preliminares, pois cresceria nas demais fases.  É que, sendo a Copa uma atividade constante, cada fase tinha um momento próprio, sendo ele experiente no assunto.

 

E por mais que se apontasse o erro de sua mira, continuava seguro de sua exímia pontaria. E por mais que se percebesse que os “conhecidos-badalados-ricos-empresariados-craques-brasileiros-exportados-para-a-Europa” estivessem jogando a individual copa das vaidades, não ousou mudar.  E por mais que os jogos demonstrassem que a seleção escolhida era velha, desmotivada e apática, permanecia com a mesma estratégia. Não queria, não podia ou não enxergava o erro da “Teoria da Única Bala”. Era, mais uma vez, a  burra ação da arrogância.  

 

A Copa passou e demonstrou o quanto Parreira estava errado.  Não apenas a seleção perdeu, mas foi, sobretudo, claramente humilhada por seus adversários. Massacrada em campo e fora dele. Os “conhecidos-badalados-ricos-empresariados-craques-brasileiros-exportados-para-a-Europa” não passaram de uma melancólica promessa não cumprida. Aliás, promessa que sequer se esforçaram para tornar real, certamente porque não estavam jogando o competitivo e coletivo mundial.  

 

Espera-se, agora, que tempo permita que as comparações acabem por aqui. Espera-se que não seja verdadeira a sensação de que a manutenção dos “conhecidos-badalados-ricos-empresariados-craques-brasileiros-exportados-para-a-Europa” fazia parte de um corrupto esquema de valorização de gananciosos empresários e empresas que jogam no submundo do futebol brasileiro. Espera-se que a Máfia do Futebol, velha conhecida dos cartolas brasileiros, esteja inocente no episódio. Espera-se, apenas, que o sacrifício do Brasil tenha sido motivado pela equivocada e soberba “Teoria da Única Bala”. Espera-se, agora, que tudo mude ou se confirme cada uma das teorias, isolada ou conjuntamente.

 

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