Uma Justiça nascida nas ruas – Cezar Britto

O TST realizou, no dia 18 de setembro, uma sessão especial em homenagem aos sessenta anos da constitucionalização da Justiça do Trabalho, nascida como órgão integrante do Poder Judiciário por força do art. 94, da Constituição de 1946.  De quebra, no mesmo dia, instalou e deu posse à primeira diretoria da Escola Nacional da Magistratura Trabalhista, criada pela Emenda Constitucional 45/2004. Celebrou-se, simultaneamente, dois eventos que se uniam pela mesma matriz constitucional, pelo mesmo querer de uma justiça célere, justa e especializada na solução de um dos conflitos mais antigos e injustos do mundo, o conflito capital/trabalho.

Coube-me, na ocasião, falar em nome da advocacia brasileira, especialmente porque tenho na Justiça do Trabalho uma afeição especial. E não é sem razão esta dedicação, pois a Justiça do Trabalho é diferenciada em sua origem, peculiar em seu crescer e destinada a um papel fundamental na consolidação do Estado Democrático de Direito. Escrevendo em outras palavras: nasceu nas ruas, amadureceu nos conflitos sociais, não podendo, em face de sua excepcionalidade,  abandonar a sua capacidade de sentir o apelo social, sob pena de perder a sua razão de ser e  trair a sua motivação constitucional. 

Nascida nas ruas porque a “questão social” sempre foi tratada como “caso de polícia”, sendo o direito ao trabalho, na época, apenas um absurdo sonho louco, devaneio de homens que, como poetizou Djavan, “sabiam o que era não ter e ter que ter para dar”. Simples reivindicações, incompreensíveis para a geração que nasceria no século seguinte, como a jornada de oito de horas, eram respondidas, com prisões, torturas e deportações de vários líderes estrangeiros, não raro com assassinato de seus bravos combatentes, como ocorrera em julho de 1917 com o sapateiro ANTONIO MARTINEZ e no dia 05 de maio de 1919, com tecelão CONSTANTE CASTELANI. Também era assim alhures, a exemplo do 1º de maio de 1886, quando, na cidade de Chicago, a repressão policial a uma resultou na morte de seis trabalhadores e incontáveis feridos ou ainda no dia 08 de março de 1857, hoje dedicado ao Dia internacional de Luta da Mulher, quando 126 tecelãs de Nova York foram assassinadas em incêndio criminoso, apenas porque reivindicavam melhores condições de trabalho.

Amadurecida nos conflitos sociais, porque o mundo do trabalho avançou no tempo, conquistou espaço, agigantou-se em importância, passou a ser possuidor de princípios próprios, ganhou densidade jurídica ao vestir a protetora roupa conhecida como CLT, enfim, saiu das ruas para se legitimar na vida da sociedade. O apogeu jurídico da Justiça do Trabalho, com a promulgação da Constituição Federal de 1946, não se fez de forma graciosa, pois fruto da luta da cidadania brasileira, que corretamente compreendeu que o trabalho é sinônimo de dignidade humana, jamais podendo ser confundido com servidão ou, como querem alguns globalizantes de plantão, mero custo de produção, onde “o quanto mais barato melhor” encontra gananciosa moradia.

E não pode, jamais, abandonar o seu jeito de ser, até porque a sua inclusão no rol do Poder Judiciário ocorreu em função de sua vertente claramente social, extremamente importante para a construção de uma sociedade mais justa, igual e fraterna. Legitimou-se, assim, um órgão do Poder Judiciário em que a opção social pautou o seu nascer, crescer e amadurecer. Não poderia mesmo ser diferente, pois sem Justiça Social não se pode falar em Justiça do Trabalho, ainda que respeitada, eficaz, célere e importante para os operadores do direito.

Não ser razão a Constituição Federal, recentemente, ampliou a competência da Justiça do Trabalho, também criando uma escola de preparação de sua magistratura. Deixou claro que quer uma Justiça Social mais forte e respeitada, mas, em contrapartida, exige um magistrado mais preparado e em constante aperfeiçoamento. Valorizou, contudo quer reciprocidade valorativa. Ampliou competência, porém impôs maior capacidade e qualidade do magistrado. Enfim, quis um magistrado trabalhista que soubesse da natureza especial do postulado do trabalho, que dominasse os seus mecanismos de proteção e que compreendesse a sua responsabilidade institucional.

Comemorar e refletir são palavras sinônimas. A Justiça do Trabalho tinha, portanto, o que comemorar no dia 18 de setembro. Mas, também, tem muito a refletir sobre a sua missão. A Justiça que nasceu das ruas não pode esquecer o seu passado, deslembrar as suas lutas e fazer natimorto o sonho de um país justo, livre e solidário. É o que se espera dos advogados, magistrados e todos aqueles que acreditam no Estado Democrático de Direito.

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