Uma reparação histórica

Na última terça-feira (26), o Plenário do Senado aprovou por unanimidade a PEC 66/2012, que garante às empregadas domésticas os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais brasileiros. A “PEC das Domésticas”, como ficou conhecida, entrará em vigor no próximo dia 2, quando será promulgada pelo Congresso Nacional.

Para entender os significados da aprovação da PEC, a trajetória de luta das trabalhadoras domésticas no Brasil e as perspectivas para o futuro deste trabalho, o autor desta coluna conversou com a Presidenta do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Estado de Sergipe, Sueli Maria.

Para Sueli, o trabalho doméstico é algo necessário para o desenvolvimento do país e a PEC fará desaparecer “o trabalhador doméstico subserviente, sem qualificação e sem conhecimento dos seus direitos”.

Ela acredita também que a cultura da Casa Grande e Senzala que ainda permanece nos lares brasileiros tende a ser substituída por uma cultura de respeito e valorização, a partir do momento em que as empregadas domésticas são reconhecidas como trabalhadoras que têm direitos.

Confira a íntegra da entrevista abaixo.

O que representa para as mais de sete milhões de trabalhadoras domésticas brasileiras a aprovação no plenário do Senado da PEC 66/2012?

Representa o resgate da auto-estima, representa a necessária equiparação de direitos, a valorização do trabalho e da trabalhadora doméstica. A partir de agora, seremos vistas e reconhecidas como verdadeiras trabalhadores, assim como qualquer outro. É uma luta muito antiga, uma reparação histórica com a desigualdade que começou na Constituição Federal, quando fomos colocadas alguns degraus abaixo das outras categorias profissionais.

Sindicatos patronais têm questionado que alguns direitos conquistados agora pelas domésticas, como hora extra e adicional noturno, acarretarão um aumento nos custos dos empregadores. Como você avalia essa reação?

É preciso avaliar sabendo os interesses de quem diz cada coisa. Toda novidade gera estranheza. A maioria dos direitos previstos na PEC ainda precisará de leis específicas regulamentando [confira no quadro ao final da entrevista], definindo como, na prática, se dará cada direito. E eu creio que o Governo, de algum modo, irá regulamentar esses direitos de uma forma que contemple a nossa luta, mas que também não crie muitos prejuízos para os patrões, concedendo algum incentivo fiscal, por exemplo.

Quando conquistamos a carteira assinada também houve muita especulação de que haveria desemprego e prejuízo. Mas foi uma onda de discursos, que como que onda passou e a realidade mostrou que não houve nem aumento nos desempregos nem qualquer prejuízo para os empregadores; Então, por experiência própria, acredito que agora não será diferente. Os patrões não terão muitos prejuízos, mas o mais importante é que será garantido o que deveria existir desde 1988, o reconhecimento e a valorização da empregada doméstica como trabalhadora profissional.

Alguns especialistas têm afirmado, inclusive, que a profissão de empregada doméstica com todos os direitos garantidos tende a desaparecer em médio/longo prazo, sendo substituída pelo trabalho diarista. Essa é uma forma de burlar a legislação e precarizar ainda mais o trabalho doméstico?

O que vai desaparecer é o trabalhador doméstico subserviente, sem qualificação e sem conhecimento dos seus direitos. As mulheres, cada dia mais, estão ocupando postos de trabalho que antes eram tidos como exclusivo de homens. E essas mulheres estão assumindo com muita capacidade, mostrando que não temos nada inferior aos homens. Mas, em geral, essa mulher que sai de casa e vai desempenhar o seu trabalho contrata uma outra mulher para os afazeres domésticos. Por isso, o trabalho doméstico é, hoje, algo necessário para o desenvolvimento do país. É algo fundamental, inclusive, para que nas outras profissões as mulheres trabalhem com qualidade e capacidade.

Uma situação muito comum são patrões que dizem que as empregadas domésticas são como “parte da família”, mas, ao mesmo tempo, a empregada não participa dos mesmos círculos sociais e não tem os mesmos direitos dentro de casa que os outros membros da família. Em que medida a aprovação da PEC contribui numa mudança cultural na relação entre patrões e empregadas?

Essa cultura de tratar a empregada doméstica como alguém da família é algo que tem a raiz na cultura da Casa Grande e Senzala. Se somos como parte da família, por que os nossos nomes não constam nos testamentos, mesmo quando trabalhamos por mais de 20, 30 anos numa mesma casa? Como somos da família, então? Precisamos nos conscientizar que somos profissionais, somos trabalhadores e trabalhadoras. Agora, o que existe, sim, em muitas famílias é o respeito mútuo, a colaboração, uma certa afetividade, por conta da proximidade do trabalho. Mas cada um deve saber a sua posição e respeitar os direitos do outro.

O trabalho doméstico é, sem dúvida, um dos mais precarizados e suscetíveis à violação de direitos, como assédio moral, sexual, violência física e psicológica, jornadas de trabalho excessivas, principalmente por se dar num ambiente privado, dentro das casas particulares. Como o Estado deve agir no sentido de fiscalizar o cumprimento dos direitos trabalhistas dessa categoria?

Olha, sobre a questão da violência e do assédio já existe um longo trabalho dos sindicatos para conscientizar as trabalhadoras a denunciar os casos que acontecem. Então, evoluímos muito nos últimos anos, as mulheres trabalhadoras estão denunciando muito mais, seja nas delegacias, seja no Ministério do Trabalho ou nos próprios sindicatos. O medo de falar hoje já não é tanto como há uns anos atrás. E os direitos, no momento da regulamentação, o Estado encontrará formas de garantir a fiscalização para que sejam, de fato, cumpridos e respeitados. A jornada de trabalho, por exemplo, já está sendo discutida a criação de um ponto, registrando o horário de início e término do trabalho em cada dia.

Nas notícias relativas à aprovação da PEC, a imprensa de um modo geral retrata apenas a participação dos senadores nas votações. Qual o papel que os sindicatos de trabalhadoras domésticas cumpriram para a garantia desses direitos, 25 anos depois de promulgada a Constituição Federal?

O que aconteceu no Senado nada mais foi que o resultado de um trabalho planejado, de uma luta incessante feita pelos sindicatos de trabalhadoras domésticas de todo o país, pela Federação Nacional dos Trabalhos Domésticos e por uma orientação importante que tivemos das centrais sindicais, especialmente da Central Única dos Trabalhadores. Desde 88, foi a CUT que nos mostrou os caminhos da luta, da negociação, como saber os momentos de avançar e os de recuar. Então, foi através de muita luta, do protagonismo das próprias trabalhadoras domésticas e do apoio de outros companheiros sindicalistas que conquistamos essa PEC, que nos afirma enquanto trabalhadoras, que têm direitos e que devem ser respeitadas.

VEJA O QUE MUDA COM A PEC DAS DOMÉSTICAS

A PEC garantiu 16 novos direitos às trabalhadoras domésticas. Desses, nove já têm aplicação imediata e outros sete necessitam de regulamentação específica. Entenda na tabela abaixo.

Direito conquistado

Aplicação

Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável

Imediata

Proteção do salário na forma da lei, constituindo crime a sua retenção

Imediata

Jornada de trabalho de até oito horas diárias e 44 semanais

Imediata

Hora extra de, no mínimo, 50% acima da hora normal

Imediata

Redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança

Imediata

Reconhecimento dos acordos coletivos de trabalho

Imediata

Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil

Imediata

Proibição de qualquer discriminação do trabalhador com deficiência física

Imediata

Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a pessoas com idade inferior a 18 anos e de qualquer trabalho a pessoas com menos de 16 anos, exceto na condição de aprendizes (a partir dos 14 anos)

Imediata

Proteção contra demissão arbitrária ou sem justa causa

Regulamentação

Seguro-desemprego

Regulamentação

FGTS

Regulamentação

Adicional por trabalho noturno

Regulamentação

Salário-família

Regulamentação

Assistência gratuita a dependentes até cinco anos em creches e pré-escolas

Regulamentação

Seguro contra acidentes de trabalho

Regulamentação

OUTROS DIREITOS

Além desses listados acima, outros nove direitos já eram garantidos às trabalhadoras domésticas antes mesmo da aprovação da PEC e permanecem em vigor. Veja abaixo:

– Salário mínimo, fixado em lei, com reajustes periódicos e nacionalmente unificado;
– Irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
– 13º salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
– Repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
– Férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
– Licença maternidade, sem prejuízo do emprego e de salário, com duração de 120 dias;
– Licença paternidade, nos termos fixados em lei;
– Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
– Aposentadoria.

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