EMANCIPAÇÃO, UM PROCESSO E UM COMPROMISSO

D. Pedro I do Brasil IV de Portugal no leito de morte
O Brasil tem celebrado, neste ano de 2008, os 200 anos da chegada da família real portuguesa, tendo a frente D. João VI. Aquele mundão de terra e de riquezas naturais, que havia encantado o velho mundo desde as primeiras viagens dos mareantes portugueses e dos aventureiros de várias bandeiras, tomou um rumo novo com a transferência da Corte, de Portugal. O século XIX, portanto, redescobre o Brasil, e faz dele o cenário para tornar possível a idéia de um novo País, definida pelo filho do Rei, ao declarar a Independência e a organizar um Império, que bateu às portas do século XX, e que concretizou a experiência que ainda hoje repercute.

Os brasileiros, muitos deles, como se fossem filhos sem pai, renegam a origem lusa do seu sangue, e não enxergam a capacidade dos colonizadores em organizar um País, dando-lhe futuro. O acervo crítico, na historiografia brasileira, tem uma face injusta, com aqueles que, tangidos pela força das circunstâncias, aportaram na Bahia, mudaram para o Rio de Janeiro, e tomaram para si a aventura de dar unidade política, econômica e cultural a uma imensa terra, que tinha como expressão a mesma língua. Como tem sido igualmente injusta com as múltiplas Áfricas, que viveram, no Brasil sob o peso da escravidão, e com a pluralidade dos indígenas, senhores das terras.

Dom João VI, não há porque negar, foi sensível aos apelos dos sergipanos que advogavam e de algum modo lutavam pela independência do território compreendido entre o rio Real, ao sul, e o rio São Francisco, ao norte, espraiando-se, a partir da costa atlântica, até o sertão, ao oeste, nas vizinhanças da Bahia. A Carta Régia de 8 de julho de 1820 dá a Sergipe mais do que a desanexação territorial, dá independência, emancipa, liberta, iniciando um processo que foi aprofundado com a independência do Brasil e principalmente com a organização do Império, configurando, concretamente, a soberania da nova Província, com Governo e economia próprios, e com uma vocação que em regime de liberdade tornou-se singular, a de produzir talentos, cada um com sua contribuição na formação da nacionalidade cultural brasileira.

E se é verdade que as minas de prata, o ouro e o diamante deram a alguns lugares do Brasil a suporte da riqueza, é igualmente verdadeiro que Sergipe, onde surgiu a utopia da Serra de Itabaiana, com suas sonhadas pedras, deu ao País algumas gerações de homens de letras e de pensamento, que formularam os caminhos intelectuais da Nação e do Império, criando uma identidade para o povo brasileiro. A experiência de raças combinadas, geradoras de uma população mestiça e com ela uma cultura igualmente miscigenada, exemplos com poucos similares no chamado novo mundo.

A emancipação política de Sergipe, que garantiu a aceleração do progresso, transformando velhas e pobres Freguesias em vilas prósperas, cidades, comarcas, gerando um ambiente fervilhante de novidades, estabelecendo um ritmo dinâmico que atraía, cada vez mais, homens e mulheres de outras partes, para a comunhão do trabalho. Desses troncos saíram várias famílias, glorificadas pelas biografias dos seus integrantes, como a Fonseca Galvão, com três varões ilustres: Rulfino Enéas, nascido em Laranjeiras, militar e engenheiro,que saiu da Guerra do Paraguai como herói e como Barão, depois Visconde de Maracaju, último Ministro da Guerra do Império; seu irmão Antonio Enéas, nascido em Nossa Senhora do Socorro, outro herói no Paraguai, feito Barão do Rio Apa, Ministro da Guerra de Floriano Peixoto; Manoel do Nascimento, nascido em Estância, magistrado na Relação de Pernambuco, não sem antes governar as Províncias de Santa Catarina e de Sergipe, naquela fase de uma elite itinerante, distribuída pelo Império como Presidentes das Províncias. Outra família nascida no útero de Laranjeiras, a Aragonez de Faria, com os filhos, ambos artistas, Cândido e Adolfo, o primeiro surpreendendo nas páginas dos seus próprios jornais com traços marcantes de uma arte crítica, no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, em Buenos Aires e em Paris, onde montou seu atelier FARIA, fez os cartazes dos filmes dos Irmãos Pathé, enquanto o irmão Adolfo, como fotógrafo, ilustrador e pintor ganhava fama e reconhecimento no Rio de Janeiro. Em Paris, filho de Cândido, nasceu Jacques, também artista, no mesmo atelier e de Jacques nasceu Felipe, advogado e escritor, encarregado de esmiuçar nos arquivos, o que resta de documentos e de informações. Sua filha Inês, em Paris, dá continuidade ao talento dos Aragonez laranjeirenses.

Emancipação é processo e com a República, nos tempos animados da revolução industrial, dos efeitos de conquistas e avanços democratizantes, consolidou o Estado de Sergipe, que jamais aceitou voltar as passado de dependência e brigou, nos fóruns mais adequados, para reaver pedaços de sua terra, confiscados pelo vizinho poderoso e insatisfeito. Emancipação é, também, um compromisso, firmado a partir dos traços mais relevantes do interesse social, sempre atualizado, como um discurso instituinte, sensível na recolha das tendências que afloram no território sergipano. No que concerne a cultura, e ao patrimônio material e imaterial dos sergipanos, o processo e o compromisso continuam intactos, como registra o cotidiano da vida da população, com seus saberes, crenças, fazeres, repertórios amplos, quase inesgotáveis, nos quais correm livres os traços da sergipanidade.

O 8 de julho tem, assim, uma carga simbólica essencial à compreensão da história de Sergipe, no contexto do País.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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