O SOL E A ALQUIMIA (II)

Os alquimistas deram ao Renascimento um brilho especial, recuperando a química medieval, elaborando poções simbólicas, tratando a “matéria” e a “obra” com toques divinos, no sentido de recriar a vida naquilo que ela pode ser material, de transcendência, na busca da “padre filosofal.” Para os alquimistas a vida só é possível em circunstâncias cósmicas de caos, quando a instabilidade do conjunto de componentes químicos de um planeta permite sua adaptação inteligente ao inesperado, a cada uma das circunstâncias que a evolução vai reclamando.


Para os principais teóricos da Alquimia não pode haver vida nos demais planetas do sistema solar, pois só a terra tinha aquele caos que foi ordenado. Os seguidores de Hermes Trismegisto acreditavam que só o saber é virtude e toda virtude emana do saber. Vários tratados, relatos de experiências e posteriormente estudos, decodificando os  saberes alquímicos são, hoje, legados fundamentais para a compreensão dos processos de civilização e cultura. O pensamento de Hermes Trismegisto, de Parcelso e de outros iniciados ainda alimenta o pensamento alquímico.


A casa sergipana, a vida doméstica nordestina e brasileira guardam restos da Alquimia, no cotidiano dos usos e dos hábitos, como o Banho Maria e o Ácido Muriático, para citar apenas duas heranças alquímicas, das mais importantes. O Banho Maria está incorporado à cozinha, utilizado para as coisas mais simples, como o aquecimento de mamadeiras, remédios de inalação, ou para fazer doce de leite, pastoso ou de corte, a partir da lata de leite condensado ou leite evaporado. O Ácido Muriático é utilizado em limpeza pesada, pelo seu alto poder abrasivo.


Sobre o Banho Maria os alquimistas dizem que o nome procede de Maria, a judia, que provavelmente inventou a operação que consiste, como se sabe e se usa, em introduzir a matéria num recipiente fechado, que cozinha na água que ferve e se mantém em alta temperatura, num vaso maior. Para o alquimista inglês do século XVII – John Pordage – a “operação significa o lugar, a matriz, e o centro onde a tinta divina flui, como de sua fonte e origem.” Para Mircea Eliada, em Ferreiros e Alquimistas (Paris 1956, Madrid 1959) o “Banho Maria não é somente a matriz da tinta ou do tingimento divino, mas também representa a matriz da qual nasceu Jesus. A Encarnação do Senhor pode ser entendida pelos adeptos da Alquimia e pode por ele começar desde o momento em que os ingredientes alquímicos do Banho Maria entram em fusão e voltam ao estado primitivo da matéria.” A operação, dizem ainda os alquimistas, serve fundamentalmente para levar a cabo a destilação mais lenta entre as combinações materiais.


O Ácido Muriático, que é quimicamente o Ácido Clorídrico, foi chamado pelos alquimistas de Espírito do Sal e foi usado como catalisador na união do Enxofre Filosófico e o Mercúrio Filosófico, nas várias fases da “obra.” O Enxofre, que é princípio ou elemento fundamental do processo alquímico, imprescindível na hora de alcançar a sublimação da “obra.” O Enxofre recebeu muitos nomes alegóricos, como Rei, Macho, Leão, Sapo, Fogo da Natureza, Graça do Solo, Sol dos Corpos, Banho da Sabedoria, Selo de Hermes, e outros. É também reconhecido como “espírito fétido”, pelo cheiro que produz durante sua sublimação.


O Enxofre compõe, em Sergipe, o “Fogo Grego”, nome antigo que tem a pólvora, formulada pelos grupos ligados ao ciclo junino, com carvão e salitre (Nitrato de Potássio). Na literatura popular, mais especificamente na Literatura de Cordel, o Enxofre identifica o Diabo, nas pelejas entre os cantadores de viola, ou nas estórias que circulam, na tradição oral. Na Malassombrada peleja de Francisco Sales Areda com o Negro Visão o debate entre o poeta (ou cantador) branco e o desafiante negro tem como tema a religião. Depois de argumentos fortes dos dois lados, o poeta branco praticamente joga a toalha, como fazem os boxeadores, sentindo-se perdido e anuncia um “grande estrondo”, quando o negro desaparece no ar, deixando um forte cheiro de Enxofre. O negro está, portanto, associado ao Diabo, que tem no Enxofre o “espírito fétido.”


A sobrevivência dos fatos antigos, distantes das motivações originais, fortalece o poder da cultura dando ordem às coisas, redefinindo cenários, reformando conceitos, depurando usos, vitalizando costumes, enquanto a vida segue nos trilhos inquietos e incertos do futuro, na busca de desvendar, um a um, todos os encantamentos, fantasias, mistérios, crenças que assumem relevo na experiência humana, pela razão do que o mundo e a vida não se explicam em si mesmos.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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