Sergipe e o Conselheiro (IV)

Em 1895, quando o arraial de Canudos, no Monte Santo, então Freguesia do Cumbe (atual Euclides da Cunha) estava ainda em formação, o Arcebispo da Bahia despachou para a região do ajuntamento liderado por Antonio Conselheiro o Frei João Evangelista de Monte Marciano, que viajou acompanhado do Frei  Caetano de São Léo. A missão do frade era “procurar pela pregação da verdade evangélica, apelando para os sentimentos da fé católica que esse indivíduo diz professar, chamá-lo e a seus infelizes asseclas aos deveres de católicos, e de cidadãos, que de todo esqueceram e violam habitualmente com as práticas as mais extravagantes e condenáveis, ofendendo a religião e perturbando a ordem pública. “

Começando a viagem em 26 de abril, somente no dia 13 de maio conseguiram os missionários entrar no povoado dos Canudos. O primeiro contato, nada amistoso, com um grupo de cerca de um mil homens, mulheres e meninos, deu ao Frei Monte Marciano uma idéia que descreveu assim:

“ Usam eles camisa, calça e blusa de azulão, gorro azula cabeça, alpercata nos pés.” Ao encontrar com Antonio Conselheiro, o frade registrou: “Vestia túnica de algodão, tinha a cabeça descoberta e empunhava um bordão (pau roliço e resistente que se leva à mão para servir de apoio;cajado), os cabelos crescidos, sem nenhum trato, a caírem sobre os ombros, as hirsutas (que tem cabelos ou pelos longos, rijos e espessos) barbas grisalhas, mais para brancas, de olhos fundos, raras vezes levantados para fitar alguém, o rosto comprido e de uma palidez quase cadavérica; o porte grave e ar penitente davam-lhe ao todo, uma aparência que não pouco teria contribuído para enganar e atrair o povo simples e ignorante dos nossos sertões. Mais adiante diz o missionário no seu Relatório: “Antonio Conselheiro, cujo nome de família é Antonio Vicente Mendes Maciel, cearense, de cor branca tostada ao sol, magro, alto de estatura, tem cerca de 65 anos e pouco vigor físico, parecendo sofrer alguma afecção orgânica, por freqüentes acessos e violentos acessos de tosse a que é sujeito.”

Está no Relatório do capuchinho que “Os aliciadores da seita se ocupam em persuadir o povo de que todo aquele que quiser se salvar precisa vir para os Canudos, porque nos outros lugares tudo está contaminado e perdido pela República, ALI PORÉM NEM É PRECISO TRABALHAR; É A TERRA DA PROMISSÃO, ONDE CORRE UM RIO DE LEITE, E SÃO DE CUSCUZ DE MILHO OS BARRANCOS.”

A dádiva mítica reproduz, ambientalmente adaptado, o mito bretão da Cocanha, utopia de terra farta e abundante, sem que seja preciso trabalhar para saciar-se, terra de liberdade e da eterna juventude, enfim, o Paraíso Perdido . O Relatório do capuchinho parece incorporar um repertório popular, existente em Canudos, permitindo fundir o mito do SEBASTIANISMO, ou do ENCOBERTO, que apareceu com o desaparecimento do jovem Rei Dom Sebastião, na Batalha dos 3 Reis, na África, e  com o das SANTIDADES, mito que apesar de combatido ferozmente pelo Visitador da Inquisição na Bahia, que englobava, então, o território de Sergipe, no final do século XVI e até o século XIX, quando a polícia dizimou o CEU DAS CARNAÍBAS, ajuntamento de Riachão do Dantas, datado de uma época que Antonio Conselheiro percorria as terras sergipanas.

O que houve depois da missão do Frei João Evangelista do Monte Marciano (Salvador-BA: Tipografia do Correio de Notícias, 1895) reafirma, na oralidade, o hábito do BEIJA DAS IMAGENS, o combate, pelas fileiras do Conselheiro, aos MAÇONS, PROTESTANTES E REPUBLICANOS, a formação da COMPANHIA DO BOM JESUS, e a manutenção de um exército que então totalizava 1 mil homens, disposto a proteger, com a vida, o Conselheiro. Fontes de época fizeram circular que o Arcebispo da Bahia, após receber o RELATÓRIO do capuchinho, pelas mãos do Governador do Arcebispado da Bahia Clarindo de Souza Aranha.

Para o missionário capuchinho Canudos era uma SEITA e Conselheiro um condutor daqueles que eram atraídos pelo ajuntamento., em número cada vez maior. O moralismo imposto pelo líder e incorporadp pelos habitantes que moravam em torno do SANTUÁRIO foi radicalizado no diálogo entre o frade e muitos dos integrantes de Canudos. Conselheiro exercia uma censura às pregações e missões católicas, do mesmo modo deixava transparecer sua aversão a República, ainda que não colocasse, abertamente, a Monarquia caída como objetivo. É frágil, de acordo com o Relatório do frade, a pregação política, fortalecendo o caráter de SEITA.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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