Estado Policial ainda vive

Estado de Sergipe. Brasil. Policiais militares interrompem, violentamente, manifestação de estudantes. O passe escolar, motivo principal da reivindicação, é aprisionado diante da irracionalidade fardada. O direito de defesa, velha conquista da humanidade, também se faz vítima da mesma vertente autoritária. Dois advogados são arrogantemente presos. Aracaju, ainda festejando a democracia das urnas, é forçada a lembrar do tempo em que o arbítrio era convocado para solucionar os conflitos sociais.  A mensagem escolhida pela PM sergipana não poderia ser mais clara: o Estado Policial é mais eficiente do que o Estado Social.

 

Brasil. Escolhe-se a unidade federativa. Polícias federais são transformados em principais mocinhos da propaganda governamental. O combate ao crime, razão primeira da atividade policial, é peça coadjuvante diante da desmedida busca pelo sucesso promocional. O princípio da inocência, antiga querência democrática, se faz bandido nas câmaras fotográficas e antenas de televisão. Advogados são impedidos de trabalhar, indícios travestidos em verdades absolutas, algemas apresentadas como indumentárias normais, jornalistas intimados a calar e delegados contratados como artistas principais. Os brasileiros, assustados uns e admirados outros, percebem o renascimento da violência com argumento “juridicamente aceitável”. A pretensão governamental não poderia ser mais manifesta:  o Estado Policial é a melhor forma de combater o Estado Marginal.

 

Londres. Inglaterra. Policiais da Scotland Yard desfilam, garbosamente, nas revistas políticas e sociais mundo afora. O combate ao terror, manchete dos noticiários, justifica a promoção, sacrifício e recursos investidos. O direito de matar, combalido no passado, volta a ser amplamente defendido pela comunidade. O assassinato do eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes,  morto com oito tiros na estação de Stockwell, sequer é lamentado. Os londrinos, satisfeitos com o seu eficiente comando policial, não sentem qualquer compaixão quando um novo assassinato é anunciado. O sentido inglês é o mesmo: o Estado Policial é menos prejudicial do que o Estado de Terror.

 

Estados Unidos da América. Escolhe-se qualquer país mundo. Militares e policiais são escalados como modernos embaixadores da mais poderosa nação do planeta. A expansão da Democracia, carro-blindado dos “bons tempos” anunciados, é a justificativa oficial de cada guerra, invasão ou prisão revelados. O princípio da autodeterminação dos povos, o maior sonho da modernidade, é violentamente despertado pela arrogância do  pensamento fundamentalista do presidente estadunidense. Genocídio autorizado, prisão  clandestina de propriedade assumida, tortura protegida judicialmente, permissão para matar fixada em lei e muros que dividem pessoas e pensamentos são edificados para que estabeleça a “nova ordem mundial”. O recado do comandante Bush, respaldado pela Conte Suprema e legitimado pelo Congresso Nacional, é bem nítido e forte: o Estado Policial é a forma mais aceitável do Estado Democrático de Direito.

 

A violência da polícia militar sergipana, as ações ruidosas da polícia federal brasileira, o livre-matar da polícia inglesa e o pensamento policial bushiano representam a ponta do iceberg de um mundo que pretende ressuscitar o Estado Policial. Ele está presente nos assassinatos israelenses, na ditadura capitalista chinesa, na corrida armamentista norte-coreana, nos genocídios africanos, no fundamentalismo iraniano e centenas de outros países. Também está presente em várias ações do cotidiano comum das pessoas, milhares delas aplaudidas e defendidas, a exemplo das milhares de câmaras que espionam e filmam o nosso andar, fazendo do cidadão um personagem ativo do Big Brother, do grande irmão Estado Policial.

 

O Estado Policial diariamente nasce, cresce e se multiplica. Nasce todas a vezes em que a violência é utilizada como argumento aceito e substituto do Estado Democrático de Direito. Cresce quando é receitado para as mais diversas situações e hipóteses, mesmo quando a paz social implora ser percebida. Multiplica-se quando a omissão campeia livre no seio da humanidade. O Estado de Direito vive porque encontra adeptos entusiasmados, omissos confessos e cidadãos não-solidários.

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